Perdida na História

Perdida na História

sábado, 30 de julho de 2011

O caso Távora

Este caso remonta ao século XVIII português. Nunca foi devidamente explicado. A culpa nunca foi verdadeiramente divulgada. A dúvida continua.


Viagem para a Índia

Tudo parece começar no ano de 1750, quando D. João V nomeia D. Francisco de Assis (o Marquês de Távora), para o cargo de Vice-Rei da Índia.

 Assim, em Março do mesmo ano, o Marquês de Távora parte para a Índia para representar a Coroa Portuguesa naquele país, acompanhado por  D. Leonor Tomásia de Távora, sua esposa (a Marquesa de Távora) e pelos seus filhos, Luís Bernardo (o Marquês-novo) e José Maria, deixando em Portugal duas filhas casadas, assim como a esposa de Luís Bernardo, Teresa de Távora e Lorena (a Marquesa-nova).

 Enquanto D. Francisco de Assis estava em Goa, na Índia, o rei D. João V faleceu, assumindo o trono D. José (agora El-Rei D. José I).

D. José I

O romance

Ao regressarem a Portugal, os Marqueses de Távora foram informados por amigos e parentes que a esposa de Luís Bernardo de Távora, D. Teresa de Távora havia se tornado na “amante preferida” do rei D. José I, e que todo o relacionamento era já de conhecimento público.


Indignada com a situação, D. Leonor defendeu  a anulação canónica do casamento do seu filho, exigindo que o mesmo não mais convivesse maritalmente com D. Teresa.

A posição adoptada pela Marquesa de Távora relativamente ao casamento do filho mais velho, desagradou grandemente o rei D. José I, o qual mandou o seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, tentar persuadir os Marqueses de Távora de que D. Teresa deveria retomar a vida conjugal normal com o marido Luís Bernardo de Távora. Porém, os Marqueses foram irredutíveis.

Depois, o próprio rei D. José I requereu pessoalmente a D. Francisco de Assis que fosse esquecido o "suposto affair" de D. Teresa, em troca de favores e títulos no governo. D. Francisco de Assis declinou a proposta do rei, irritando-o mais profundamente ainda.


"A ira de Deus"

Pouco tempo depois, no dia 1 de Novembro de 1755, "Dia de Todos os Santos", Lisboa sofre um terrível terramoto. A destruição foi cataclísmica: destruição de casas, igrejas, edifícios e palácios, tendo sido sentido quer noutras cidades do Reino, quer noutros países europeus e norte de África. Além do terramoto, a cidade foi submersa por um desmedido maremoto, tendo depois ficado a arder, em chamas, durante seis dias.


 O clero.

 Os membros clericais aproveitaram a ocasião e encararam a catástrofe natural como uma revolta de Deus, relativamente às relações adúlteras de D. José I, assim como à sua política de governo, da qual era figura fundamental o ministro Carvalho e Melo.

Um dos sacerdotes mais excessivos foi o padre Gabriel Malagrida, o qual chegou a escrever um manifesto intitulado "Juízo da Verdadeira Causa do Terramoto" descrevendo o cataclismo como pena divina aos pecados dos governantes do país, profetizando novos desastres se os culpados continuassem a actuar daquela forma. Tal provocou a ira do rei e do ministro Carvalho e Melo.

Gabriel Malagrida

 Não quero governar”.

 É fundamental lembrar que D. José I não apreciava governar, delegando a maioria dos seus poderes no seu ministro de confiança Sebastião José de Carvalho e Melo (futuramente Marquês de Pombal).

Marquês de Pombal


Inevitavelmente, os membros da nobreza começaram a, eles próprios, se sentirem incomodados com a realidade de uma pessoa de origem inferior deter cada vez mais poder, prestígio e importância no Reino.

 Foram nestas circunstâncias que se planeou um movimento palaciano a contestar a situação, encabeçado pelo desembargador Costa Freire, com o fundamento de derrubar o governo e substituí-lo por outro, a ser constituído por alguns membros da nobreza portuguesa.

 03 de Setembro de 1758

 Nessa noite, o rei D. José I saiu, confidencialmente, para uma "breve" visita à sua amante predilecta, D. Teresa de Távora.

Alguns dias antes, o próprio rei havia estabelecido luto oficial no País, devido à morte de sua irmã, Maria Bárbara, rainha da Espanha. Efectivamente, o período de luto impedia as saídas dos membros da Família Real do Paço. Por esse motivo, o rei não utilizou nem a carruagem nem a escolta reais.

Ao regressar do encontro com a Marquesa-nova, a carruagem toma a estrada de volta ao Paço. Por volta das onze e meia da noite, homens encapuzados abriram fogo sobre a caruagem que transportava o soberano, ferindo-o assim como ao cocheiro. Contudo, o súbdito conseguiu escapar, conduzindo o rei até a casa do Marquês de Angeja, na Junqueira, tendo lá pemanecido até alvorecer. Regressou, então, ao Paço numa carruagem real, escoltado por um corpo de militares.


A investigação

 D. José I ordenou que o seu predilecto ministro, Carvalho e Melo, levasse a cabo uma investigação sobre o atentado. Sendo assim, o ministro aproveitou a situação como pretexto para atear um processo de perseguição aos seus maiores opositores, nomeadamente a família Távora, culpando e incriminando sectores do clero e da nobreza pelos crimes de Traição e Lesa-Majestade.

 Poucos dias depois, dois homens foram presos e torturados. Os homens confessaram a culpa e que tinham tido ordens da família dos Távora, que conspiravam para colocar o duque de Aveiro, José Mascarenhas, no trono. Ambos foram enforcados no dia seguinte, mesmo antes da tentativa de regicídio ter sido tornada pública.

 - o clero

As principais represálias sofridas pelo clero foram a queda da Companhia de Jesus, a detenção de figuras exponenciais do alto e baixo clero e até mesmo a morte de alguns.

- a nobreza

No que toca à nobreza, foi criado um órgão denominado Tribunal da Inconfidência, propositadamente para julgar as pessoas às quais se imputavam a culpa da tentativa de regicídio.

Os juízes encarregados do caso jamais conseguiram provar substancialmente inteiramente a culpabilidade dos réus: as provas eram tão débeis e incongruentes que, por vezes, nada mais era do que ilações extraídas daquilo que outros indivíduos teriam dito ou ouvido pelas ruas, e as confissões obtidas de alguns réus teriam sido conseguidas por intermédio de violenta coação física.


O duque de Aveiro

 O duque de Aveiro é um bom exemplo a deter neste caso: sob tortura chegou a confessar muito mais do que lhe fora interrogado, envolvendo na conspiração todos aqueles que sabia terem caído no desagrado do Rei e do seu ministro.

Assim, asseverou que o desacato havia sido praticado por incitamento dos padres jesuítas, tendo como cúmplices os nobres Marquês de Angeja, o Conde de Avintes, os Condes da Ribeira Grande, Óbidos e São Lourenço, os Marqueses de Távora pai e filho, José Maria de Távora e o Desembargador Costa Freire. Porém, por ordem do ministro, o conteúdo dessa "confissão" não serviu para culpar a totalidade das pessoas nele envolvidas, mas apenas algumas...


Ademais, a Marquesa Leonor de Távora nunca esteve presente no Tribunal e nem tão pouco foi investigada pelos juízes, pois nem se sabia que ela estava entre os acusados. De facto, só quando o desembargador Eusébio Tavares de Sequeira (incumbido pelo próprio rei de proceder à defesa dos incriminados) requereu a Carvalho e Melo o processo para redigir a defesa, é que verificou que ela era um dos principais acusados.


Justiça célere.

 Vale ressaltar a incrível celeridade com que ocorreram os actos do processo, pois a defesa dos réus foi entregue no dia 11 de Janeiro de 1759 às quatro horas da tarde e, nesse mesmo dia, a Junta concluiu os autos e requereu ao rei permissão para agravar as penas previstas na lei. No dia 12, foi concluída a inspecção, redigida a decisão, comunicada aos réus e executada na manhã do dia 13.

 Há relatos quanto à falsidade desta investigação. Segundo Luiz Lancastre e Távora há registos de que a sentença já se encontrava previamente decidida, mesmo antes do fim do julgamento. Tanto isso é verdade que nem os juízes pensaram em averiguar um único facto alegado pelos réus em sua defesa, ou em inquirir uma só testemunha por eles indicada.



As provas.
 
As provas apresentadas em tribunal eram simples:

a) As confissões dos assassinos já executados,

b) A arma do crime pertencia ao duque de Aveiro e

c) O facto de apenas os Távora poderem saber das ocupações do rei nessa noite, uma vez que ele regressava de uma ligação com Teresa de Távora, presa com os outros.


 Sentenças.

-Ao Duque de Aveiro e ao Marquês de Távora (pai) seria aplicada a pena de lhes serem quebrandos os ossos das pernas, braços e peito a golpes de maça, estando os seus corpos atados às rodas, após o que seriam queimados, sendo as cinzas jogadas ao mar.

 -D. Leonor teria a cabeça cortada com a espada do carrasco, o qual após expor a cabeça ao povo, deveria queimá-la juntamente com o restante do corpo e lançar as cinzas ao mar.

 - O Marquês Luís Bernardo, José Maria Távora e o Conde de Atouguia seriam logo estrangulados e só depois quebrados os ossos das pernas e braços, antes dos seus corpos serem lançados na mesma fogueira que os antecessores.

Pena igual aplicar-se-ia aos criados Manuel Álvares e João Miguel, assim como ao cabo Brás Romeiro.

- António Álvares e José Policarpo de Azevedo seriam atados em postes altos e queimados em vida, tendo suas cinzas o mesmo destino das dos outros réus.


-Gabriel Malagrida, o padre jesuíta amigo e confessor da marquesa de Távora, foi queimado vivo alguns dias depois e a ordem dos jesuítas declarada ilegal, curiosamente a 3 de Setembro de 1759, exactamente um ano depois do atentado ao rei. Todas as suas propriedades foram confiscadas e os jesuítas expulsos do território português, na Europa e Colónias (o filme "A Missão" retrata a expulsão de uma comunidade jesuíta da floresta brasileira).

Todos foram condenados a desnaturalização de Portugal, exautoração das honras e privilégios da nobreza a que tinham direito e total confisco de bens.

No tocante, especificamente, à família Távora, ficava de futuro proibido o uso do sobrenome Távora; determinava-se que suas armas fossem picadas e raspadas onde quer que se encontrassem; o restante das mulheres deveriam ser separadas dos filhos (os quais ficavam obrigados a professar) e encerradas em conventos; as suas casas deveriam ser arrasadas e salgado o chão onde se erguiam para eterna lembrança desse castigo.

 Muitos dos executados eram apenas crianças.

O local.

 A execução da sentença ocorreu em Belém, no Cais Grande, onde se construiu especialmente para tal feito um alto e grande patíbulo , em madeira, sobre o qual se achavam os postes, as rodas, as aspas e todos os outros utensílios necessários à tarefa.

Futuro

Após a morte do rei D. José I e da saída do Marquês de Pombal do governo português, a nova rainha D. Maria I ordenou que se procedesse a um inquérito sobre a actuação do ex-ministro e autorizou a revisão do processo dos Távora.

Os juízes que contemplaram a petição de revisão da sentença condenatória dos Marqueses de Távora, filhos e genro, o Conde de Atouguia, consideraram-nos inocentes face às provas; regenerando-se a memória da família Távora, devolvendo-se, na medida do possível, os títulos e bens a que tinham direito.


D.Maria terá ficado muito perturbada com este caso. Foi no seu reinado que a pena capital foi abolida de Portugal (excepto em caso de Guerra). Fomos um dos primeiros países do Mundo a fazê-lo.



Se por um lado é verdade que poucos países terão tido um político tão capaz, tão elucidado e tão competente como o Marquês de Pombal. Se Lisboa renasceu das cinzas após o dia 1 de Novembro de 1755, muito é devido à actuação deste homem.
Por outro lado, poderá ser também verdade que, devido ao seu ódio, terão sido brutalmente assassinadas centenas de pessoas, inocentes.
A dúvida persiste.


 

8 comentários:

  1. Sou um grande admirador da história da familia Távora, estou inclusivé a fazer uma pesquisa sobre o sucedido.

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  2. A História da humanidade está repleta de atrocidades, crimes jurídicos, execuções indevidas e vinganças.

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  3. Estou lendo o livro de Luis Wanderley,onde esse episodio é retratado e estou impressionado com a brutalidade do caso. Nada de justiça,apenas ódio e vingança do Marquês que parecia ser demasiadamente rancoroso.

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