Perdida na História

Perdida na História

sábado, 21 de julho de 2012

Um Rei "Sem-Terra"



Possivelmente é o rei com pior fama em toda Inglaterra. Muita vezes apenas designado como Príncipe, João I de Inglaterra desde sempre se debateu com vários problemas na governação do reino, desde dívidas, a rebeliões, excomunhões...Contudo, o maior problema de João terá mesmo sido o facto de ser irmão de Ricardo, Coração de Leão. 


      João I de Inglaterra nasceu na véspera de Natal de 1166, sendo o filho mais jovem de Leonor de Aquitânia e Henrique II, o primeiro rei da Dinastia dos Plantagenetas (1154-89), que governou um extenso império que incluía a Aquitânia e a Normandia, juntamente com Inglaterra. Curiosamente, os seus filhos eram tão indisciplinados que ficaram conhecidos como a “geração do diabo” e nunca se esperou que um dia, o filho mais novo, pudesse vir a subir ao trono.




      Foi o único dos filhos legítimos de Henrique II que não se revoltou contra o poder do pai, aquando das guerras com a mãe, Leonor de Aquitânia (ver neste blogue “ A Guerra da…Barba”). Possivelmente como compensação, João foi nomeado Senhor da Irlanda em 1185. Os relatos contam que o seu governo foi desastrado, tendo sido obrigado a abandonar o território poucos meses depois.
      Já em 1188, Henrique tentou tornar João Duque da Aquitânia, em substituição de Ricardo Coração de Leão em quem não confiava. O resultado foi catastrófico para Henrique II, que morreu durante a expedição punitiva organizada contra Ricardo.
      Ricardo acaba por ascender ao trono e, antes de partir para a Terra Santa, nomeou como seu sucessor e herdeiro da coroa o sobrinho Artur, um rapaz de 12 anos, filho do seu irmão Godofredo, pretendente ao trono. Inesperadamente, entre1189 e 1194, João terá sido a mais importante individualidade de Inglaterra durante a ausência de Ricardo, primeiro em cruzada, depois no cativeiro na Alemanha.

Ricardo, Coração de Leão

      João acaba por se insurgir contra Ricardo, de novo em aliança com o rei da França, apoderando-se da alta Normandia e da Touraine. Apesar das animosidades com o irmão, foi João um dos responsáveis por angariar dinheiro para enviar a Ricardo em situações de maiores apuros, como no caso dos 150 000 marcos necessários para pagar o resgate de Ricardo a Henrique VI, Imperador do Sacro Império. Tal dinheiro representava na altura uma verdadeira fortuna, algo colossal, que obrigou à imposição de impostos especiais, deixando Inglaterra na bancarrota. Apesar do dinheiro se destinar ao Grande Ricardo, foi João o angariador, foi a João que o povo odiou e repudiou e tornou vilão para a posterioridade.

Estátua de Ricardo, Coração de Leão

  Segundo crónicas posteriores, João seria um homem egoísta e fútil, dado a violentos acessos de fúria e mau génio, constando que “deitava espuma pela boca e mordia ramos de árvores”. Curiosamente, era muito comentado na época o facto de João ter o estranho hábito de tomar muitas vezes…banho! Um costume pouco habitual e regular na época.




      Enquanto o irmão de João, Ricardo “Coração de Leão” (1189-99), estava ausente numa cruzada, João tentou controlar Inglaterra, organizando uma conspiração por forma a impedir o regresso do irmão. Toda a sua tentativa foi em vão, o Rei regressa e as terra de João são-lhe confiscadas, daí o cognome “Sem-terra”. Outras fontes referem que o seu cognome vem do facto de ter sido o filho que não herdou qualquer terra aquando da morte de seu pai.

      Conta a História que Ricardo acaba por lhe perdoar e João sucede-lhe como rei, em 1199. Contudo,  João assegurará a sua pretensão ao trono assassinando o sobrinho Artur: João invade o Ducado da Bretanha em 1202, levando Artur I a apelar à ajuda do rei Filipe II de França, declarando-se seu vassalo. Artur foi capturado e assassinado, no ano seguinte, mas já era tarde demais para impedir a intervenção dos franceses.


João I, de Inglaterra

      Apesar de administrador bastante competente, João revela-se um fraco soldado, perdendo a herança francesa a favor do rei Filipe Augusto de França, em 1204-05. Porém, no que diz respeito a administração, João tentou reorganizar as finanças do país, debilitadas após a assombrosa soma paga para o resgate de Ricardo. Dentre as medidas mais famosas, está um imposto sobre os nobres que não cumpriam o seu dever para com a coroa, não enviando soldados e/ou material militar.

      Um certo acumular de fracassos, levam João a reivindicar direitos reais ignorados pelos seus antecessores. Efectivamente, João foi durantes muitos anos o primeiro rei a passar a maior parte do tempo em Inglaterra. Viajou por todo o país angariando dinheiro, havendo relatos de não ser muito escrupuloso quanto aos métodos utilizados. Contudo, é de referir uma vez mais que terá sido João a herdar as avultadas dívidas das campanhas de Ricardo, quer na Terra Santa, quer noutros locais. 




      Acaba por ser um reinado desastroso, assistindo a uma disputa com o Papa Inocêncio III, acerca da escolha do Bispo da Cantuária. Não foi com surpresa que João acaba por ser excomungado e Inglaterra recebe ordem de interdição vinda do Papa: não se poderiam realizar serviços religiosos, baptismos, casamentos ou funerais. Numa má jogada, um rei humilhado cede, desiste e rende-se. A classe nobre vê tal como um sinal de fraqueza, utilizando tal acção como um rastilho para a revolução, colocando o país em guerra.

       

      Com o intuito de refrear os seus excessos, barões e outros nobres, apoiados pelo Clero, forçam João a assinar a Magna Carta, em Runnymede, no Tamisa, no ano de 1215.



      Esta famosíssima Carta esclarecia inequivocamente que o Rei estava sujeito à lei e dava direitos aos cidadãos contra a prisão sem culpa formada e extorsão de dinheiro; limitava o poder monárquico, sendo um tratado de direitos, mas principalmente deveres, do rei para com os seus súbditos. Considera-se que este tratado marca o início da monarquia constitucional em Inglaterra. O documento, muito avançado para a época em questão, veio a influenciar muitos países além da Inglaterra. Por exemplo, nos Estados Unidos da América, mantêm uma cópia do original.

Magna Carta

      Infelizmente para a estabilidade do país, João rapidamente ignora o documento e as promessas feitas: pediu ajuda ao Papa, que o absolveu do juramento. João passou a ignorar todos os pontos do documento.
Em 1216, muitos barões descontentes com o reinado de João Sem -Terra, apoiaram a invasão da Inglaterra pelos franceses liderados pelo príncipe Luis VIII de França, sendo proclamado "Rei de Inglaterra" em Maio desse ano, mas nunca foi coroado. Obviamente, Luis reconheceu o cargo com grande pompa e celebração na Catedral de St. Paul, em Londres onde muitos nobres incluindo o próprio Rei Alexandre da Escócia (1214-1249) estavam presentes e lhe juram vassalagem.



      Quanto ao rei, João ofereceu resistência durante um ano e meio, porém, durante a campanha, João é apanhado na zona pantanosa de Norfolk, em Wash. Perde as jóias da coroa.  Não passaram muitos anos até que morresse, praticamente sozinho, sem amigos e calcula-se que envenenado por um abade. Quanto a Luís, também ele não foi rei de Inglaterra, tendo assinado o Tratado de Lambert em 1217, reconhecendo que nunca terá sido, efectivamente, um rei legitimo de Inglaterra. Subiu ao trono Henrique III, filho de João,  em Outubro de 1216. A Magna Carta foi aceite em nome de seu filho e sucessor, Henrique III, pela regência (Henrique era menor de idade), em Novembro daquele ano, suprimindo-se algumas cláusulas, inclusive a 61ª. Quando atingiu a maioridade, aos 18 anos, em 1225, Henrique republicou o documento mais uma vez, numa versão ainda mais curta, com apenas 37 artigos.

      Filmes e obras como Robin Hood ou Ivanhoe imortalizaram a tirania de João, “Sem-terra”, realçam o seu talento na colecta de impostos e avareza quase infinita. Praticamente em nenhum local são referidas as avultadíssimas dívidas que João herda das viagens do irmão, quer à Terra Santa, quer a outros locais. Nunca é mencionado o facto de Ricardo ter preferido andar a lutar por outras terras, em vez de estar presente e governar o seu país. Curiosamente, João fica na História como o vilão que impõe impostos aos mais ricos e Ricardo como o Grande Coração de Leão.

Príncipe/Rei João - filme Disney

Rei Ricardo- filme Disney

“62º – Remimos e perdoamos, inteiramente, em todos os homens, qualquer inimizade, injúria, ou rancor que se tenha levantado entre nós e nossos súditos, tanto clérigos quanto leigos, desde o começo da disputa.”    Magna Carta  



Fontes:
Price-Budgen, A. (1988) People in History, Círculo de Leitores

1 comentário:

  1. Mais ou menos isto que você comentou no final. Ninguém expõe ou menciona que Ricardo deixou, com suas aventuras fracassadas, dívidas gigantescas aos cofres ingleses, inclusive com sua captura.

    Nem sei se é totalmente merecida a fama de João, pois assumir uma nação falida, cheia de inimigos às portas e sem muita confiança na coroa, não é nada fácil.

    Provavelmente a maneira com que administrou e suas peculiaridades, acabaram por fazer essa péssima fama. Mas em si, é muito difícil achar que a culpa de sua queda, seja totalmente por parte do mesmo, já que pelos problemas financeiros, administrativos e até de infraestrutura que "Ricardo O Rei que não Governava" trouxe para a nação, João teria de fazer um milagre para salvar a Inglaterra.

    Quer dizer. Já não era um Rei tão bom, tinha lá seus defeitos, e ainda por cima pegou toda a carga de culpa por algo que seu irmão provocou? Irmão este que é glorificado até hoje! Ai quebra qualquer um.

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