Perdida na História

Perdida na História

sábado, 29 de outubro de 2011

Quinta-feira negra

Poder-me-ia estar a referir ao ano de 2008. Poder-me-ia estar a referir a 2010. Ou simplesmente estar a falar do presente. Não é fácil encontrar as diferenças...

    
      Supõe-se que tudo terá começado em 22 de Outubro de 1929. Toda a crise económica mundial. Tudo parece ter tido início no mercado de valores da Bolsa de Nova Iorque, com um craque financeiro como nunca antes fora visto.

      Na quarta feira venderam-se 2,5 milhões de acções . As vendas tinham começado no sábado anterior, talvez devido ao crescimento da taxa de desconto do Banco de Inglaterra que atraía fundos...Como a oferta excede a procura, as cotações baixam, quando a opinião está habituada a crer que elas subirão indefinidamente: tinham quadruplicado em quatro anos e duplicado no Verão.
      Em teoria, é preciso pagar de imediato à Bolsa de Nova Iorque. Na prática, os cambistas aceitam negociar mediante uma entrada de 10% do custo das acções: eles avançam o resto, reembolsando-se sobre a mais-valia na altura da venda. Mas, como os preços param de subir, acaba a mais-valia e, portanto, o reembolso certo! A solvência dos devedores é preocupante, exigindo-se pagamentos imediatos. Para reembolsar, os devedores vendem títulos, aumentando ainda mais a oferta, baixando as cotações: desencadeia-se uma espiral diabólica.



5ª feira negra

        São vendidos quase 13 milhões de acções: duas vezes mais do que aquilo que alguma vez se vendeu num só dia. Os cinco principais bancos nacionais tentam travar o movimento, um dos seus representantes compra, em 5 minutos, acções por 30 milhões de dólares, acima da cotação. É um balão de oxigénio, mas que apenas dura algumas horas. Ao fecho, a situação está ainda mais agravada. Na 2ª feira, os bancos lançam a esponja e deixam de apoiar as cotações. Na 3ª feira, são vendidos 16 milhões de acções, as cotações, descem ainda mais, sempre mais, trocam-se acções a um dólar. Um dólar. A cotação mínima.
        Em 22 dias o índice Dow Jones dos valores industriais cai mais de 40%.



      A situação cria de imediato um imenso pânico entre os portadores de acções e os corretores. Quinta- feira de manhã, na Wall Street, onde se situa a bolsa, circulam os piores rumores, há cenas de histeria: o economista e historiador americano John Galbraith fala de : "louco e desenfreado pandemónio para vender" e de " pavor cego e sem piedade". Especuladores, grandes e pequenos, milionários e seus motoristas estão absolutamente arruinados; antes do meio-dia, a crer nos números oficiais, uma dúzia de pessoas suicida-se, algumas lançando-se de uma janela.
      Conta-se que no Waldorf Astoria, o hotel mais luxuoso da cidade, o porteiro fora obrigado a perguntar aos clientes que pediam um quarto:

 " Excelência, é para dormir ou para saltar?"

Catástrofe

      Apesar de todas as boas palavras do presidente Hoover, que vê a "prosperidade à esquina da rua", os especuladores arruinados esvaziam as suas contas bancárias e os bancos não conseguem aguentar, uma vez que os outros depositantes pedem também para serem reembolsados. Mais de 600 estabelecimentos abrem falência em 1929, mais de 1 300 em 1930. Os poucos bancos sobreviventes restringem enormemente o crédito.  Por outro lado, os especuladores arruinados já não são consumidores: a crise bolsista passa a crise económica generalizada.


      O desmoronamento do edifício financeiro não é a única causa da crise, mas serviu como detonador duma situação já explosiva.

      A produção e o consumo descem, as empresas abrem falência: mais de 22 000 em 1929, mais de 26 000 em 1930, mais de 28 000 em 1931. Em 1932, o rendimento nacional americano é metade do que era antes da crise, tal como a massa salarial: o desemprego total ou parcial atinge 25% da população activa.


 
      Obviamente, quem não tem emprego, não consegue comprar, se não consegue comprar o comércio não vende, logo, as lojas fecham, pelo que as fábricas não têm motivo para produzir: mais despedimentos, mais desemprego, mais fecho de estabelecimentos (semelhanças com a actualidade?). 







       Os produtos industriais descem 30%, os produtos agrícolas descem 60%. Os agricultores são muitissimo atingidos. Muitos ficam totalmente arruinados, expropriados, tornando-se pedintes e errantes, tal como descreveu John Steinbeck em "As Vinhas da Ira".



A peste alastra-se

     A fuga dos capitais americanos leva à falência os sistemas bancários internacionais. Depois, os USA tomam medidas proteccionistas e o comércio mundial desmorona-se. Os países exportadores agrícolas são brutalmente atingidos. No Brasil, por exemplo, o café tornado inútil é queimado nas locomotivas, já não interessa o que compromete o equipamento industrial e o desenvolvimento.

     Todos os países são afectados. O desemprego traz miséria, como algumas nações não estavam habituadas a ver. Não existem indemnizações. No fim de 1932 contam-se em média 40 milhões de desempregados no sector industrial.  



Sopa dos pobres

     A miséria atingiu cidades e campos, ninguém escapou, lançando no desespero enormes camadas da sociedade americana, criando um clima de tensão favorável ao desenvolvimento da criminalidade e do racismo. Uma nova multidão de pobres ocorriam aos refeitórios populares onde esperavam receber sopa e pão: a sopa dos pobres. Houve registo de violência quando, por exemplo, a sopa terminava e a
última pessoa que tinha tido direito era uma pessoa negra ou de uma etnia diferente.







Ventos de Mudança?

      As consequências, inevitavelmente, tocam a política. As equipas dirigentes perdem as eleições  (republicanos nos USA  e direitas francesas, ambos em 1932, assim como em 1936).
Organizam-se marchas dos desempregados tanto nos USA como em Inglaterra, e até nos países fascistas como Itália se observam manifestações. Sobretudo, o fracasso do liberalismo económico leva alguns a pôr em causa o liberalismo político e a procurar soluções: defende-se uma planificação e a intervenção estatal nos USA (New Deal) e na França (Frente Popular); ganha-se uma nova paixão pela URSS cujas características desconhecem o desemprego. De facto, um número crescente de eleitores adere aos movimentos de inspiração fascista, depois aos delírios nazis. Na Alemanha, a crise e o desemprego deram a mão a Hitler, que sobe ao poder como um salvador.



      O desmoronar das trocas comerciais fragmenta o mundo em blocos concorrentes. A França e a Inglaterra fecham-se nas suas colónias; o Japão ganha mercados com as conquistas militares; a Alemanha cria uma clientela cativa na Europa do Leste. A ideia de comunidade internacional torna-se anacrónica.

      O mundo não é mais o mesmo. Em 1939, estala um dos maiores descalabros da Humanidade: a 2ª Guerra Mundial.  




sábado, 22 de outubro de 2011

Cartagineses

Conhecidos por serem um povo muito envolvido no comércio, pouco se sabe acerca das suas origens e modo de vida. Apesar da incógnita, o povo de Cartago influenciou em grande escala grandes acontecimentos do Mundo Antigo.


O nascimento de Cartago

     Diz a lenda que a cidade de Cartago foi fundada pela princesa fenícia Dido que, ao desembarcar na costa africana, pediu ao chefe local para construir ali uma cidade. Ele disse que poderia construir num pedaço de terra que a pele de um boi cobrisse e assim foi. Dido terá mandado cortar a pele em tiras muito pequenas de forma a cobrir uma área muito mais vasta. A lenda refere ainda que Dido terá preferido sacrificar a própria vida do que casar com o chefe tribal local.

Dido

      Ora, nenhuma das duas histórias consegue ser provada, nem tão pouco quem realmente terá fundado a cidade. Possivelmente, a cidade poderá ter sido fundada por fenícios provenientes da cidade-estado Tiro, em 814 aC. Mais tarde, depois de Nabucodonosor, rei da Babilónia, ter subjugado Tiro, os fenícios e os carianos terão fugido, vindo a ocupar um enorme acampamento, possivelmente a base da futura grande cidade.  



A cidade

     Embora Cartago já não exista, sabe-se que nasceu do que actualmente é Tunes e que os cartagineses chegaram a ser poderosíssimos comerciantes no mar Mediterrâneo. Eram implacáveis na sua forma de domínio e afundavam, sem hesitar, todas as embarcações que cruzassem as suas águas sem autorização.



      Negociavam importações de vários reinos e terras, recebendo a prata e o chumbo de Hispânia e da Sardenha, a madeira de Atlas e o trigo da Sicília. Perante as fontes antigas, os cartagineses correram todo o Mediterrâneo, entraram na Baía de Biscaia, chegaram ao rio Níger, atravessaram o deserto do Sahara, assim como, terão atingido o Canal da Mancha.

      A sua influência fez-se sentir em larga escala no Mediterrâneo Ocidental. Pelas inscrições, sabe-se que chegaram a Atenas, Delos, Tebas e Mênfis, assim como terão imitado os gregos quer na arquitectura, quer no próprio vestuário.

Características

Não se sabe muito acerca do seu carácter.  Contudo, alguns historiados chamaram-lhes "comedores de papa" e disseram que não eram "bebedores".Já Plutarco, o grande historiador romano refere:

"Os cartagineses são duros e tristes, submissos para os seus chefes e desumanos para os súbditos, cobardes perante o medo, cruéis na fúria, teimosos nas decisões e austeros, não dão importância às diversões nem aos momentos gratos da vida".

     Certamente, esta era a visão de um cidadão romano que, comparativamente à sua civilização, os cartagineses lhe pareceram inferiores. Porém, tal não é inteiramente correcto. Crê-se que não eram cobardes, visto terem sido grandes exploradores, assim como, sabe-se que consumiam pratos com especiarias e doces e que bebiam vinho por belas taças, pelo que dificilmente seriam muitos austeros.

      Eram fortes e resistentes e usavam vestes compridas; cobriam geralmente a cabeça com uma espécie de fez e com um turbante e os homens usavam, habitualmente, barba. Quanto ao cabelo, ou era liso ou encaracolado, comprido, com uma franja ou apanhado com uma fita. Usavam jóias valiosas e quer homens quer mulheres usavam perfume.



     Curioso é também o facto de não ser invulgar o uso de tatuagens. As mulheres, por seu lado, utilizavam o estilo grego nas suas vestimentas, com túnicas suavemente apanhadas na cintura.

Sacrifícios?

     A sociedade cartaginesa tinha a mulher num elevado estatuto e a maioria dos homens casava apenas com uma mulher. As crianças tinham uma boa instrução prática.
    
     Pensa-se que os historiadores tenham exagerado relativamente aos terríveis rituais cartagineses, de sacrifício de crianças e, embora eles tenham existido, sem dúvida, é natural que essa prática apenas ocorresse em momentos de grande tensão.
    
     Por exemplo, no ano 310 aC, Cartago viu-se ameaçada de invasão e os cartagineses pensaram que teriam ofendido o seu deus: Crono. Já haviam sacrificado crianças e doentes e outras tinham sido "compradas com esse objectivo", mas para aplacar a fúria de Crono, 200 crianças de famílias nobres foram colocadas, uma a uma, nas mãos da gigantesca estátua do deus, em bronze, e de lá rebolavam para o fogo. Os restos mortais das crianças incineradas eram guardados em urnas de barros e, posteriormente, enterrados.

Os exploradores

      Além de grandes comerciantes, os cartagineses eram também grandes exploradores. Algures entre o ano 500 aC e 420 aC, o almirante cartaginês Hanão organizou uma expedição para efectuar comércio marítimo em torno da costa africana, possivelmente para fundar colónias a sul. Muitos historiados crêem que ele terá chegado até à Serra Leoa e ao Golfo da Guiné, mas não é provável  que tenha estabelecido rotas permanentes de comércio. Não existe prova concreta que tenham comerciado além de Marrocos.
      Porém, a viagem à Serra Leoa é descrita com algum pormenor. Conta-se que Hanão passou no estreito de Gibraltar com sessenta navios de 50 remos cada. Navegou para lá da Serra Leoa e fundou as cidades de Mogador e Agadir, onde construiu templos. Terá pensado, ao ver-se frente às tribos locais, ter encontrado os "inóspitos etíopes".



      Viu crocodilos e hipopótamos na Gâmbia. Curiosamente, deixou um espantoso relato acerca de uma ilha cujos habitantes eram "muito cabeludos". Provavelmente eram ... chimpanzés.    

Roma

      O grande poder marítimo dos cartagineses viria a ser duramente destruído quando entraram em guerra com Roma devido à Sicília. Inicialmente, eram superiores aos Romanos no mar, mas as Guerras Púnicas acabaram de vez com a "nação" cartaginesa.



      A primeira, em 264 a 241 aC destruiu-lhe o seu domínio no mar. Depois, entre 218 e 201 aC, os cartagineses atravessaram os Alpes com Aníbal e os seus famosos elefantes, derrotando ferozmente os romanos, ameaçando, inclusivé, Roma. Efectivamente, os elefantes não foram uma grande ideia, pois mediam entre 2,10 a 2,50 metros, pelo que não conseguiam transportar grandes cargas. Embora tivessem constituído um elemento surpresa, a maior parte dos 27 morreu antes de chegar à Península Itálica.




      Aníbal defendeu-se no sul de Itália, mas, em 204 aC, os romanos comandados por Cipião, invadiram África  e, dois anos mais tarde, derrotam Aníbal na Tunísia. Os romanos avançaram, e chegaram mesmo a vencer o irmão de Aníbal, Asdrúbal.  



O fim

     A Terceira Guerra Púnica, de 149 aC a 146 aC, destruiu por completo Cartago, através de um cerco. Catão, o Imperador Romano, profere as famosas palavras:

"Delenda Carthago" (Cartago tem de ser destruída)

     Efectivamente, as palavras foram mesmo postas em prática. A cidade foi destruída e arrasada e até o solo foi revolvido.



Mais tarde, os Romanos instalam ali uma colónia: Júlia Cartago.

Moedas cartaginesas:






quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Amigos de Peniche!

Expressão idiomática em Portugal, significa, sem dúvida,  um "falso amigo", "desleal"... Contudo, existe um possível fundamento histórico para esta expressão...

     Tudo terá tido início na crise de sucessão portuguesa, em 1580, quando D.Filipe II de Espanha consegue a coroa portuguesa, em detrimento do Prior do Crato, D.António.
     Decorria o ano de 1589, quando no dia 26 de Maio desembarca numa praia perto de Peniche (praia da Consolação) 6 500 soldados ingleses comandados por Robert Devereux, 2º duque de Essex. Faziam parte de uma vasta expedição comandada por Francis Drake e pelo almirante John Norreys, com ordem de Isabel I de Inglaterra, para colocar António Prior do Crato como rei de Portugal, restaurando a soberania portuguesa.

D. António


Francis Drake



     Além de respeitar a Aliança Luso-Inglesa (ver neste Blog “Tratado de Windsor”), Isabel I tinha um segundo objectivo (ou seria o seu principal propósito?...) impedir que Espanha se reconstituísse em termos navais, recuperando o seu poderio naval após a derrota da Armada Invencível, com a finalidade de evitar uma nova tentativa de invasão espanhola a Inglaterra.

     A Praça-forte de Peniche começou por ser tomada pelos homens de Essex, com o inicio da acção militar, com sucesso. A guarnição portuguesa, sob comando espanhol, não opôs qualquer resistência, tal como seria de esperar.  Enquanto as tropas que se apearam rumavam por terra a Lisboa, o resto da armada, lideradas por Francis Drake, seguiu para Cascais. A finalidade da invasão era cercar Lisboa por terra e por mar, assim como ocupar os Açores de modo a abater a rota da prata espanhola.

Peniche


     A palavra foi passando, com unanimidade:

«Vêm aí os nossos amigos, que desembarcaram em Peniche...»

     Contudo, nem tudo correu como esperado. As forças inglesas tiveram um comportamento deplorável, saqueando Atouguia da Baleia, Lourinhã, Torres Vedras, e Loures. Já perto de Lisboa, as forças que se movimentaram por terra colocaram-se inicialmente no Monte Olivete (actualmente, freguesia de São Mamede) mas deslocaram-se para a Boa Vista, Bairro Alto e depois para a Esperança, quando D. Gabriel Niño abriu fogo com os canhões do Castelo de São Jorge. Por outro lado, não veio a artilharia prometida por Isabel I, limitando em larga escala a resposta inglesa.

     Já em Cascais, Francis Drake aguardava a entrada terrestre em Lisboa para cercar a cidade no rio Tejo; porém, os homens de John Norreys foram inúteis no ataque à capital bem fortificada e melhor defendida, onde os espanhóis tinham fortalecido a guarnição. As cadeias estavam repletas, as execuções de resistentes sucediam-se. Entretanto, os portugueses dentro das muralhas, que estavam prontos a batalhar e sabiam do desembarque inglês interrogavam-se:

«Que se passa com os nossos amigos que desembarcaram em Peniche? Quando chegam os nossos amigos de Peniche?»

     O empenho dos portugueses no acto militar também falhou. Para obter o auxílio militar de Inglaterra, D. António recorrera ao fundamento de que as populações portuguesas se sublevariam ao seu lado contra os espanhóis, pelo que talvez nem fosse forçoso lutar. Porém, a ocupação assentava numa repressão selvagem, reforçada com a ameaça da invasão… e a revolta popular não ocorreu.

      Cerca de um mês após o desembarque, a expedição inglesa regressa, deixando incrédulos o povo português, sempre na dúvida do que afinal seria feito dos “amigos de Peniche”. Refira-se que muitos soldados ingleses foram atacados pela peste, pelo que nenhum dos objectivos foi cumprido no desembarque inglê a Portugal.
    

      A partir deste momento da História, a expressão “amigos de Peniche” passa a significar amigo que não cumpre o que promete, amigo que nos deixa ficar mal, amigo desleal. Ao contrário do que se possa pensar, nada se relaciona com os habitantes de Peniche, mas sim com os aliados de Portugal.


 “Amigo de Peniche” bem doce…

     Fazendo alusão à injusta fama dos habitantes de Peniche, foi criado um pastel doce típico da cidade de Peniche. Quando vendidos em caixas,é lá também incluída uma folha de papel descrevendo a origem da expressão amigos de Peniche.


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A última dos Ptolomeus

Dotada de qualidades físicas ainda hoje envoltas em mistério e magnificência, esta rainha foi, sem dúvida, das mais astutas e inteligentes personalidades políticas de todos os tempos. A descendente do grande Ptolomeu viria a ser a última rainha do grande Império banhado pelo Nilo: Cleópatra.



A dinastia dos Ptolomeus reinou no Egipto durante quase 300 anos, tendo alcançado o seu grande apogeu no reinado de Ptolomeu II Filadelfo e Ptolomeu III Evertes. O império estendeu-se da Líbia até à Ásia Menor. Os seus sucessores, com a progressiva expansão de Roma pelo Mediterrâneo, viram reduzir-se o território do reino ao Egipto, com Chipre e a antiga Cirenaica. Em meados do século I aC, os romanos centraram a sua atenção no Egipto.


Descendência

Com a morte do soberano, em 51 aC, acedeu ao trono egípcio Cleópatra VII, a filha com então 17 anos de idade; contudo, havia um filho do sexo masculino Ptolomeu XIII, então com 10 anos. Segundo a tradição, celebrou-se o matrimónio entre os irmãos, de forma a preservar a dinastia.



Contudo, a união terá sido tudo, menos pacífica. Desde conspirações para matar, passando por falsos testemunhos, os irmãos estavam claramente em lados opostos quanto a quem deveria mesmo governar o império. Muitos sacerdotes e nobres apoiavam Ptolomeu, contudo, era inegável o génio e a força de Cleópatra.



Os tutores de Ptolomeu, Potino e Aquilas, não aprovavam a regência de Cleópatra pelo que instigaram uma rebelião contra esta, que acabou por fugir do Egipto, fixando-se na Síria no ano 48 aC. Aqui, reuniu um exército para combater o irmão-esposo. Por seu lado, Ptolomeu XIII manda assassinar Pompeu, rival de Júlio César na guerra civil, na esperança de obter a simpatia deste e, possivelmente, o apoio de Roma, num intento que se revelou fracassado.


 Roma, a intermediária ?


Muito atento aos acontecimentos, Júlio César foca-se num país extremamente rico, principalmente no que diz respeito à produção de cereais. De facto, o Egipto passa a ser designado na gíria romana como "o celeiro de Roma", após a conquista. Com o intuito de "compreender as motivações de cada um" e de forma a "mediar e a contribuir para as negociações entre os irmãos", César vai e instala-se no Egipto. Em Alexandria, César ordena que mandem chamar os dois irmãos, tal e qual como se estivesse no seu império romano. Se por um lado a ida de César ao Egipto se prendeu com a perseguição a Pompeu, uma das grandes ideias de César era, sem dúvida, instalar-se no país.



Inteligência

Cleópatra desejava acima de tudo, governar o seu país. Temendo a ideia com que César poderia ter ao falar com o seu irmão-esposo, Cleópatra apressa-se a chegar à presença do poderoso estrangeiro. Da forma mais astuciosa possível, a sumptuosa rainha é levada à presença do romano, escondida. Qual não é o espanto de César quando vislumbra o desenrolar de um tapete à sua frente, ficando no final a vislumbrar uma espectacular figura feminina: Cleópatra.



A história atribui a esta rainha uma grande panóplia de atributos, mas nem todos positivos. Se mais tarde terá, certamente, sentimentos genuínos para com o estrangeiro romano, no início talvez não fosse essa a intenção de Cleópatra. Pessoa extremamente culta para a época, Cleópatra apreciava em grande escala todos os livros, lendo-os todos. Por isso, seria natural que nutrisse por Roma um certo rancor, devido ao facto do incêndio da Biblioteca de Alexandria ter ocorrido durante um conflito entre romanos e egípcios.

Sem dúvida que as negociações correram pelo melhor a Cleópatra. Ptolomeu XIII é afogado no Nilo, após uma batalha contra César. A rainha casa-se, posteriormente, com o seu outro irmão Ptolomeu IV, de 11 anos.

A soberana dedica-se cada vez mais a consolidar a sua posição dentro do Egipto, assim como a reorganizar a economia.



Romance e Interesse

Impressionado com as qualidades encontradas nesta mulher, Júlio César adia a sua partida para Roma. Pretende conhecer o Egipto. Pretende também conhecer Cleópatra.

Foi em Saqqara que César viu pela primeira vez uma múmia de perto. A crença na vida após a morte e a possibilidade da imortalidade com a preservação do corpo, poderá ter sido uma ideia a atrair César que já estava a envelhecer. O nobre casal passou por Tebas, Karnak e Luxor, locais de grande admiração do glorioso Antigo Egipto. Durante o longo passeio, César observou também os grandes campos de trigo, alimento suficiente para alimentar todo o seu exército. Contudo, Cleópatra pretende de César apenas uma promessa: O Egipto continuará livre e sempre sob domínio e governação egípcia.




O romance entre estas duas personalidades é bem conhecido. Contudo, na época, ninguém em Roma o aceitava. Cleópatra era vista como alguém de fraco valor, sendo-lhe atribuídas todo o tipo de alcunhas.
            Entretanto, nasce o filho de ambos: Ptolomeu XV Cesário.

Posteriormente, para seu infortúnio, Cleópatra segue César até Roma, onde foi sua convidada e participou no seu triunfo; contudo, a rainha nunca teria sentido antes tanta represália, desprezo e desrespeito. A rainha não era querida pelo povo de Roma.



Um assassinato

Após o homicídio de César, em Março de 44 aC, Cleópatra regressa ao Egipto e, ao fim de um mês, morre o seu irmão-esposo, Ptolomeu XIV.

A rainha, já sozinha, procura um outro protector, tendo-o facilmente encontrado em Marco António, que então ostentava o poder de Roma no Oriente.

Abastada e adorável, perspicaz e alegre, altiva e afectuosa, Cleópatra foi ao encontro de António, a Tarso, a bordo de seu magnífico navio real, luxuosamente preparado para receber o triúnviro. A recepção terá durado quatro dias. Arrebatado pelos encantos da soberana, António decidiu passar o inverno de 41 a.C. a 40 a.C. no Egipto, em sua companhia. Nos meses seguintes, em Alexandria, ele levaria uma vida de fausto e prazeres.



A rainha conseguiu conquistá-lo e mudá-lo para o Egipto mas, ao mesmo tempo que nasciam os seus filhos gémeos, Alexandre e Cleópatra, Marco António contrai matrimónio em Roma com a irmã de Octávio, o Imperador Romano do Ocidente.

As relações de Marco António com a soberana egípcia eram um vexame para toda Roma, principalmente para o Imperador, cuja irmã era "a mulher mais infeliz de todo o Império"; a relação termina rapidamente, e Marco António volta a procurar Cleópatra, aumentando o território egípcio e tiveram mesmo um outro filho: Ptolomeu Filadelfo.


Ódios em Roma

A relação de Marco António com a rainha egípcia era, sem dúvida, um pedra no sapato de Octávio. Na Primavera do ano 32 aC, obrigou o casal a retirar-se da baía de Áccio, na Grécia, onde a frota egípcia foi derrotada. Marco António e Cleópatra fogem para o Egipto, para Alexandria. Aqui, a sua frota e o próprio exército são completamente aniquilados por Octávio (em 30 aC).



Romeu e Julieta, dos tempos Antigos

Sem qualquer certeza, uma das versões aponta o suicídio de Marco António para a falsa notícia que terá recebido do assassinato de Cleópatra. O que é facto, é que este governador romano morre efectivamente. Dias depois, Cleópatra suicida-se. Não é certo, ainda na actualidade, onde se encontram os restos mortais de ambos.



Os dois filhos gémeos de Cleópatra perderam-se por completo na História. Quanto a Cesário, o imperador romano assassinou-o, impedindo qualquer hipótese de prosperidade política.
           Quanto a Alexandria deixou de ser um lugar dedicado ao saber, passando a ser uma mera província romana no Egipto.


O Celeiro de Roma

O Egipto é conquistado. Passa a ser mais uma das vastas províncias romanas. Tem como soberanos os imperadores de Roma, que consideram o país como uma fonte inesgotável de receitas tributárias. Muitas vezes tiveram de enfrentar a ira do povo, que pediam liberdade, tendo também, mais tarde, reprimido as manifestações religiosas, sobretudo as cristãs. Porém, os romanos sentiam também uma grande admiração e fascínio por aquela "terra de magos e de mistérios". Efectivamente, além de muitas obras de arte terem sido transferidas para Roma, alguns imperadores fizeram o oposto: apostaram na construção e enriquecimento de algumas divindades, fazendo sempre inscrever o seu nome em caracteres hieroglíficos dentro do cartucho real.



Por muito irónico que pareça, Cleópatra não era egipcia. Ao ser descendente de Ptolomeu, Cleópatra tinha linhagem e ancestralidade grega. Contudo, terá sido um dos governantes do Egipto que mais se terá esforçado para manter o país longe da captura inimiga.

Busto atribuído a Cleópatra VII


Fonte:
Guidotti M e Cortese V; Atlas ilustrado do Antigo Egipto
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=853

terça-feira, 11 de outubro de 2011

A invenção que mudou a Civilização

Há cerca de 5 000 anos, no ano 3 000 aC, aproximadamente, um país do médio oriente, a Suméria, atinge em apenas alguns séculos duas épocas áureas em domínios tão diferentes como o período político, a actividade económica, a reflexão religiosa e a criação literária. Este sucesso está ligado à invenção dum sistema de escrita, ferramenta notável de comunicação.


Embora a agricultura e a pastorícia desempenhem ainda um papel fundamental no mundo sumério, este é essencialmente urbano. No III milénio, o país agrupa uma dúzia de estados, centrados numa cidade normalmente fortificada, em torno da qual se aglomeram centenas de aldeias dispersas por entre o território rural. A sociedade organiza-se em torno de dois pólos: o templo e o palácio real.



O templo

Apanágio da divindade própria de cada cidade, o templo aparece, num primeiro tempo, como o edifício mais grandioso, mas cuidado e mais rico da cidade. Construído num aterro e flanqueado por uma fortificação maciça com vários andares, o zigurate, goza de meios consideráveis, provenientes das terras, dos entrepostos, das manufacturas e participa num comércio que se estende muito para além da Suméria. Uma mão-de-obra abundante, composta por homens livres e escravos, assegura o funcionamento deste lugar privilegiado da vida religiosa, económica e política.



A monarquia militar

O outro edifício notável na cidade é o palácio, construção da monarquia. Esta monarquia é, por volta de 2 500 aC uma instituição nova. O rei é, então, um rei guerreiro. A sua função principal é militar, justificada pelas guerras contínuas que as cidades travam entre si e pela pressão que sofrem dos estrangeiros bárbaros. Os soberanos dotam-se, então, de um exército regular que reforçam, em caso de conflito, com uma milícia de camponeses.

Vestígios arqueológicos, como os fragmentos da Estrela dos Abutres de Eannatum, rei de Lagash, permitem conhecer o armamento, a organização e a táctica das tropas: estas associam carros e uma infantaria ligeira a uma infantaria pesada, avançando para a batalha em filas serradas.

fragmento de Estrela dos Abutres


Com o tempo, o rei ultrapassa o templo em importância. O rei já não é apenas um chefe, militar, mas também um chefe civil. Os grandes dignitários religiosos estão subordinados à sua autoridade e, progressivamente, ele irá converter-se no senhor único no país. O seu poder deve ser exercido num sentido favorável: representante dos deuses na terra, o rei é responsável perante eles pelo bem-estar do povo. Os seus deveres impõe-lhe fazer a guerra para defender e alargar os seus domínios, mas também criar e manter os sistemas de canais de irrigação que é a causa da fertilidade do país, logo, de toda a sua abundância. Garante da ordem legal e da equidade perante os seus súbditos, o rei deve zelar para que o fraco não seja vítima da opressão do poderoso e o simples cidadão dos abusos dos funcionários corruptos.



A escrita ao serviço do templo e do palácio




Uma definição tão ambiciosa da função do rei supõe a existência de meios apropriados. O génio dos sumérios reside em terem inventado um sistema de comunicação entre os homens que já não se limitava à palavra: a escrita.

Excelentes escultores e gravadores de imagens, inventores do selo cilíndrico, o pequeno rolo de pedra ornamentado com desenhos e cenas, e cuja utilização se alastra à Anatólia, Egipto e Grécia, pela primeira vez no mundo, os sumérios inventam um conjunto organizado de sinais e símbolos visuais, capaz de traduzir pensamentos, conhecimentos e sentimentos humanos: a escrita cuneiforme.

selo cilíndrico

Esta invenção corresponde a um projecto teológico e político: todos os textos, no que se refere ao teor e objectivo se relacionam com a religião ou com a pessoa do rei. Os mitos, sob aparência de aventuras das divindades, respondem às questões que os Homens colocam sobre as origens e o sentido do mundo. Os hinos recitados, aquando das cerimónias, exaltam os deuses e os seus santuários. As preces, associadas aos gestos rituais, têm como objectivo afastar as causas sobrenaturais dos males que atingem os Homens. Por seu lado, a monarquia é glorificada em obras que contam os feitos sobrenaturais dos primeiros reis da Suméria.


Com a elaboração de um sistema de escrita, os sumérios, artesãos de uma das mais férteis épocas do Médio Oriente antigo, desenvolvem e revolucionam as comunicações entre os Homens e inflectiram a vida material e intelectual. Neste sentido, a Mesopotâmia foi «o berço da civilização».        


A escrita cuneiforme


A escrita inventada pelos sumérios, utilizada até à era Cristã e difundida por diversas regiões do Médio Oriente, deve o seu nome à aparência de cunhas ou de pregos que o seu material de suporte, a argila, que os escribas imprimem por pequenas incisões toma. Originariamente, os signos reproduziam objectos e realidades ligadas aos sumérios: o sistema pictográfico. Mais tarde, a escrita prende-se à língua falada: o signo já não representa um objecto, mas um som.  O sistema gráfico torna-se então uma escrita de palavras, capaz de comunicar as ideias mais abstractas, em vez de ser apenas um auxiliar da memória.



Contudo, durante muito tempo não se fez a diferença entre o pictograma e o símbolo que significava som. Na escrita cuneiforme, os 400 signos utilizados conservam assim um duplo valor , ideográfico e fonético; eis porque um texto cuneiforme nunca é lido de forma corrente, mas antes, decifrado.



Os grandes sistemas de escrita da história


- escrita e comunicação social

A escrita cuneiforme pôde influenciar, a oeste, os hieróglifos egípcios (pouco depois de 3 000 aC), a leste a Índia ( 2 500 aC) e a China (entre 3 000 e 2 500). Mas, em todos estes reinos, a fixação precoce de um sistema de escrita responde aos imperativos do bom funcionamento da sociedade: o registo dos dados para sua utilização (administração, codificação de leis, formulação de tradições sagradas, …), a difusão de informações a uma vasta escala (cartas, éditos reais) e a prática cerimonial.

 hieróglifos

- escrita e poder

Considerada de origem divina e revestida de carácter sagrado, a escrita é reservada, por motivos técnicos (complexidade quanto á aprendizagem e caligrafia) e ideológicos, a uma casta privilegiada: num país de tradição escrita, a sua monopolização por uma elite de escribas ao serviço dos templos e soberanos constituía um enorme instrumento de poder e controlo excepcionais.



- a diversificação

Na origem, há 4 sistemas de escrita: o sumério, o egípcio, o hitito-egeu e o chinês. Dois provêm de escritas silábicas; e destas, os sistemas alfabéticos (grego e latim; hebreu e árabe; indiano) que se distinguem pelo processo dedicado e reservado à indicação das vogais.

   

Em 1802, já na Idade Contemporânea, a primeira pessoa a decifrar a escrita cuneiforme foi o alemão Georg Friedrich Grotefend.


Fonte:
Astier C, 2000, Memória do Mundo - das Origens ao ano 2 000, Círculo de Leitores