Perdida na História

Perdida na História

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Vincent

Por vezes, a tristeza, o desespero, a solidão em vida convertem-se em fama, prestígio e glória após a morte. Vincent Van Gogh é um eterno exemplo.




“Sinto que o supremamente artístico é amar as pessoas”.




      Theodorus van Gogh, pai de Vincent, era pastor protestant em Groot Zundert, uma pequena povoação do Brabante, situada a cerca de 80Km de Breda, sul da Holanda. A sua mãe, Anna Cornelia Carbentus, era filha de um encadernador da corte de Haia. O pequeno Vincent nasceu no dia 30 de Março de 1853, na casa anexa à Igreja de Zundert, um ano após a morte de um outro irmão seu, a quem tinham atribuído o mesmo nome.

      A 1 de Maio de 1857 nasceu o seu irmão Theodorus (a quem chamavam Theo). Durante toda a sua vida, Vincent esteve sempre muito ligado a este seu irmão. Aliás, foi através deste irmão e de cartas trocadas entre ambos que hoje em dia se conhece a vida de Vincent.
      Devido à falta de dinheiro da família, Vincent viu-se obrigado a abandonar a escola muito cedo, tinha 15 anos, sendo obrigado a procurar emprego.

Van Gogh, 19 anos

      No verão de 1869, o seu tio, negociante de arte, fez com que Vincent, então seu aprendiz, começasse a trabalhar numa filial em Haia. De acordo com cartas e registos de então, Vincent era exemplar.
      Com quase vinte anos, foi morar em Londres e depois em Paris, graças ao reconhecimento que teve. Porém, muitas vicissitudes e recusas de amor foram, a pouco e pouco, levando a que se fosse descuidando cada vez mais o emprego. É de referir que uma das suas maiores distracções eram mesmo a pintura e os os assuntos religiosos, nomeadamente o estudo Bíblico.



      Em 1877 resolveu estudar Teologia, na cidade de Amsterdão. Mesmo sem terminar o curso, passou a actuar como pastor na Bélgica, por apenas seis meses. Impressionado com a vida e o trabalho dos pobres mineiros da cidade, elaborou vários desenhos a lápis. Refira-se que se dedicou totalmente aos pobres e doentes, a quem deu todos os seus pertences.



      Resolveu retornar para a cidade de Haia, em 1880, e passou a dedicar um tempo maior à pintura. Após receber uma significativa influência da Escola de Haia, começou a elaborar uma série de trabalhos, utilizando técnicas de jogos de luzes. Neste período, as suas telas retratavam a vida quotidiana dos camponeses e trabalhadores na zona rural da Holanda.





      Até 1886, a sua vida terá sido infernal, desde a morte do seu pai, até acusações sem fundamento, Vincent mudou diversas vezes de casa, de cidade e mesmo de país. Já o ano de 1886, foi de extrema importância na sua carreira. Foi morar para Paris, com o seu irmão. Conheceu, na nova cidade, importantes pintores da época como, por exemplo, Emile Bernard, Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin e Edgar Degas, representantes do Impressionismo. Recebeu uma grande influência destes mestres do impressionismo, como podemos perceber em várias das suas telas.


       Dois anos após ter chegado a França, parte para a cidade de Arles, no sul do país. Uma região rica em paisagens rurais, com um cenário bucólico. Foi neste contexto que pintou várias obras com girassóis. 
      Convidou Gauguin para morar com ele no sul da França. Este foi o único que aceitou a sua ideia de fundar um centro artístico naquela região. No início, a relação entre os dois era tranquila, porém com o tempo, os desentendimentos foram aumentando e, quando Gauguin retornou para Paris, Vincent entrou em depressão. Em várias ocasiões teve ataques de violência e o seu comportamento ficou muito agressivo. Foi neste período que chegou a cortar a sua orelha.

A orelha.

      A convivência com o famoso Gauguin tornara-se impossível. A 23 de Dezembro de 1888, depois de mais uma violenta discussão, Van Gogh - tal como conta Gauguin: "seguiu-me até à rua e ameaçou-me com uma navalha de barbear".
      Nessa mesma noite, Vincent corta o lóbulo da sua orelha direita, embrulha num jornal e leva a uma prostituta sua amiga, Raquel, como presente. Na manhã seguinte, o seu amigo Roulin encontra Vincent encharcado em sangue na cama da sua Casa Amarela. Foi de imediato levado para o Hospital de Arles, mas a população da cidade opôs-se a tal internamento, pois considerava-o "um louco perigoso", exigindo que saísse da localidade.



      A 8 de Maio, Vincent acabou por ingressar voluntariamente no hospital psiquiátrico de Saint-Paul de Mausole, em Saint-Rémy. O diagnóstico do médico Peyron apontava para epilepsia. Nos dias seguintes, Van Gogh melhorou, podia agora pintar, desenhar e falar com outros pacientes.

     O seu irmão Theo, terá sido o seu grande apoio, quer moral, quer financeiro. Theo aguentou firmemente as suas repentinas mudanças de humor, chegando a escrever:

" É como se existissem nele duas pessoas distintas - a primeira, terna, sensível, com qualidades extraordinárias; a segunda, egoísta e de coração duro."

      Entretanto, a mãe de Vincent muda de casa, e muitas, muitas das suas obras acabaram por se perder.

      O seu estado psicológico chegou-se a reflectir nas suas obras. Deixou a técnica do pontilhado e passou a pintar com rápidas e pequenas pinceladas.



A doença




“Após a experiência dos ataques repetidos, convém-me a humildade. Assim pois: paciência. Sofrer sem se queixar é a única lição que se deve aprender nesta vida”.


      No Verão de 1889, Vincent sofreu um grave ataque, chegando mesmo a comer algumas das suas pinturas; no entanto, nas suas cartas encontram-se expressões de extraordinária lucidez e consciência de tudo o que o rodeia, mesmo do seu estado mental. Além disso, durante o seu pior momento (do ponto de vista médico), em Saint-Rémi, pintou 150 telas e, como escreve Bernard "talvez nunca tenha pintado tão bem".

      Na clínica psiquiátrica, dentro de um mosteiro, havia um belo jardim que passou a ser sua fonte de inspiração. As pinceladas foram deixadas de lado e as curvas em espiral começaram a aparecer nos seus trabalhos.

      No mês de maio, deixou a clínica e voltou a morar em Paris, próximo do seu irmão e do doutor Paul Gachet, amigo de diversos pintores, que o iria tratar. Este médico foi retratado num dos  seus trabalhos: Retrato do Doutor Gachet:


1890

      O ano de 1890 não poderia ter começado da melhor forma. Theo conseguiu vender o primeiro quadro de Vincent : O Vinhedo Vermelho. Exceptuando este quadro, Vincent nunca conseguiu vender qualquer obra sua. Ninguém conseguia gostar.
      Tudo indicava que a mudança para Auvers e a amizade com o Dr. Gachet tinham devolvido a serenidade a Vincent. Nos dois primeiros meses que passou em Auvers pintou cerca de 80 quadros.   
      Porém, em Julho, viu-se muito afectado pelas dificuldades económicas de Theo, que sempre o sustentara. Nas suas cartas, encontram-se amargas considerações sobre os negociantes de arte e a cruel realidade que faziam com que as obras de um artista morto valessem mais do que as de um artista vivo.



      A 27 de Julho saiu para pintar ao ar livre. Ao voltar, à noite, refugiou-se no seu quarto, onde após intensas dores, resolver alertar o casal Ravoux, em cuja casa estava hospedado. Disse-lhes que tinha acabado de dar um tiro em si próprio.
      Terá sido prontamente atendido por Gachet, enquanto Theo corria a toda pressa para Auvers.
     
      Vincent morre no dia 29, depois de ter passado o dia a fumar cachimbo e a falar com Theo.
       Curiosamente, Theo faleceu no ano seguinte, a 25 de Janeiro de 1891, tendo os seus restos mortais sido depositados ao lado do seu irmão, Vincent.




Considerações actuais da doença

      A doença de Van Gogh foi analisada durante os anos posteriores e existem várias teses sobre o diagnóstico. Alguns, como o doutor Dietrich Blumer, mantêm o diagnóstico de epilepsia do lobo temporal, agravada pelo uso do absinto, que o pintor bebia. O absinto possuía como principal ingrediente uma planta alucinogénica de nome Artemisia absinthium e a sua graduação alcóolica era de 68%. Conhecido como "fada verde", devido aos efeitos colaterais, foi responsabilizado por alucinações, surtos psicóticos e mesmo mortes.



      Existem outras hipóteses diagnósticas para Van Gogh, dentre elas a esquizofrenia e o transtorno bipolar, sendo o último o diagnóstico mais consensual entre os especialistas.
      Na família de Van Gogh existem outros casos de transtorno mental. O seu irmão Theo faleceu de “demência paralítica” causada pela sífilis, mas há relatos de que sofria de depressão e ansiedade ao longo da vida. A sua irmã, Wilhelmina, era esquizofrénica e viveu por 40 anos num manicómio. O irmão Cornelius também cometeu suicídio, aos 33 anos.

Cartas a Theo

O conhecido livro “Cartas a Theo” é um texto epistolar cheio de paixão e de cores, formado pelas cerca de 800 cartas dirigidas pelo pintor ao seu irmão e confidente, Theo Van Gogh. Nelas, o autor fala do seu sofrimento, das esperanças e dos desesperos, dos achados artísticos, das inúmeras dificuldades económicas e da terrível evolução da doença.


Após a sua morte, o retrato que tinha feito do psiquiatra do Hospital de Arles, Félix Rey, apareceu tapando um buraco na chaminé do seu quarto. Outro quadro, que ofereceu ao director do Hospital de Saint-Rémy, foi usado durante muito tempo como alvo para os dardos dos filhos do médico.




Em 1971, Don McLean compõe um tributo ao pintor: Vincent (Starry, Starry Night)




Actualmente, um quadro de Vincent Van Gogh, não tem preço.




Fontes:
http://www.suapesquisa.com/vangogh3/
http://www.saude-mental.net/pdf/vol7_rev3_leituras2.pdf
Van Gogh, a Utopia-Os grandes Mestres da Arte, 2003, Porto Editora.

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