Perdida na História

Perdida na História

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A correr!

      Uma das mais famosas, senão a mais famosa, e dificeis provas dos Jogos Olímpicos actuais é a Maratona. Contudo, "Maratona" foi palco de grandes batalhas gregas, assim como toda a prova é uma homenagem a um soldado e atleta.


     No ano de 490 a.C. quando os soldados atenienses se retiraram para a planície de Marathónas para combater os persas na Primeira Guerra Médica, as suas mulheres ficaram aflitas pelo resultado, visto os inimigos terem jurado que, depois da disputa, avançariam sobre Atenas, desonrariam as mulheres e sacrificariam todos os filhos que encontrassem.


      Ao saberem da advertência, os gregos ordenaram a todas as mulheres para, se não recebessem a notícia da sua vitória dentro de um dia, matar seus filhos e, em seguida, se suicidarem.


     Conta a História que os gregos ganharam a batalha, mas a contenda levou mais tempo do que estava previsto, de modo que recearam que as mulheres gregas executassem o plano. Para acautelar a matança, o general grego Milcíades ordenou ao seu melhor corredor, o soldado e atleta Filípides, que corresse até Atenas, situada a cerca de 42 km dali, para levar a notícia.

     O atleta Filípides correu essa distância tão rapidamente quanto pôde e, ao chegar, conseguiu dizer apenas "vencemos", tendo caido morto pelo esforço.




     Numa outra versão, Heródoto conta que, na realidade, Filípides foi enviado antes da batalha a Esparta, e a outras cidades gregas, para pedir ajuda, tendo de correr duzentos e quarenta quilómetros em dois dias, voltando à batalha com os reforços necessários para vencer os persas. Como o caminho era irregular para os cavalos, somente um mensageiro corredor poderia cobrir a distância em tempo útil.



Estátua em homenagem ao atleta guerreiro


     O atleta correu, em dois dias, os 240 km por terreno irregular, só para chegar a Esparta e receber um não como resposta. Os espartanos estavam a comemorar o festival de Artémis, recusando-se a ajudar. Quanto a Filípides, este terá voltado com a má notícia, novamente a correr.

Vencer Persas? Só a correr…

     A preparação física era fundamental no exército ateniense. E foi graças à corrida que eles derrotaram os Persas em Maratona.


     O plano persa era simples: desembarcar na planície de maratona, derrotar o pequeno exército ateniense e então dar a volta pela costa para invadir Atenas pelo sul desprotegido. Eram menos de 10 mil atenienses que, sabendo da má notícia trazida por Filípides, deliberaram fazer um assalto rápido ao exército de mais 25 mil persas que havia desembarcado na planície de Maratona.
     O ataque surpresa terá sido um sucesso, expulsando os persas. Terá sido aí que se principiou a segunda fase do plano persa: navegar 8 a 10 horas até à praia de Phaleron, visto acreditarem estar desprotegida.

    
 Perante as circunstâncias, os atenienses necessitaram de usar toda a sua profunda preparação física. Depois da batalha que havia durado um dia completo, eles teriam que correr, aproximadamente, 40 km até Phaleron, de forma a impedir o desembarque persa.

    
     Nesta “maratona” os primeiros atenienses conseguiram alcançar Phaleron entre 5 a 6 horas e, cerca de uma hora antes dos barcos persas chegarem, os gregos já estavam instalados na praia, prontos para uma nova batalha. Pensa-se que esta corrida terá sido decisiva para a vitória.

     
Os persas não acreditaram nos seus olhos quando, ao chegar a Phaleron, terão avistado o exército ateniense. Apesar de serem mais numerosos, terão ficado francamente atemorizados pelos “super-homens” atenienses. A frota persa navegou mais alguns dias procurando, em vão, um porto seguro para o desembarque. Após o insucesso, ter-se-ão retirado.

Jogos Olímpicos

     Em 1896, cerca de 2400 anos mais tarde, nos primeiros Jogos Olímpicos modernos, o fantástico atleta grego Filípides foi homenageado através da criação da prova “Maratona”, cuja distância a percorrer era de 40 km. Desde 1908, está estipulada em 42,195 km.
     Coincidência ou não, os deuses pareciam estar com os gregos novamente, pois foi um grego, Spiridon Louis, o primeiro campeão olímpico de maratona.

Portugal a correr

     A maratona feminina foi introduzida nos Jogos de Los Angeles em 1984. A portuguesa Rosa Mota ganhou logo nesses jogos a medalha de bronze e, quatro anos depois em Seul, alcançou a medalha de ouro.


     
Carlos Lopes venceu a prova de maratona masculina, nos mesmos Jogos de 1984, tornando-se o primeiro português a ser medalhado com o ouro nos Jogos Olímpicos. A prova foi rápida, e a marca atingida (2h9m21s) foi recorde olímpico até aos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008!!!!


Algumas curiosidades:
- Na edição de Estocolmo 1912, o português Francisco Lázaro morreu durante a prova.
- Para que a família real britânica pudesse assistir ao início da prova do jardim do Palácio de Windsor, o comité organizador aferiu a distância total em 42.195 metros, que continua até hoje.
- A mais antiga maratona anual do mundo é a Maratona de Boston, nos Estados Unidos, disputada em todo feriado do Dia do Patriota, na terceira segunda-feira de Abril, desde 1897.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Atravessar o Rubicão

Apesar de não ser muito utilizada no quotidiano, a expressão "atravessar o Rubicão" existe há centenas de anos. O seu significado remonta ao ano 49 aC, onde um dos mais famosos generais de toda a História, atravessou o Rubicão.


O Rio

      Rubicão era o nome antigamente utilizado para designar um curso de água na Itália Setentrional, que corria para o mar Adriático, a pouca distância a norte de Ariminium (Rimini). O actual rio Rubicão, que nasce perto de San Marino, é, normalmente, identificado com o antigo Rubicão.
      O rio era considerado como a materialização do limite sul da Província da Gallia Cisalpina ao norte, separando-a da Itália, propriamente dita, ao sul.
     


      Na época do império romano, este rio tinha uma importância notável: a lei romana proibia que o rio Rubicão fosse atravessado por qualquer legião do exército romano; dessa forma, a lei assim protegia a República de ameaça militar interna.

Antes da travessia

       A crescente popularidade de Júilo César entre o povo e o aumento do seu poder depois dos seus sucessos na Gália, fez com que os seus inimigos, influenciados por Catão, o Jovem, tentassem arruiná-lo politicamente. Assim, tentaram arrebatar-lhe o cargo de governador da Gália, para posteriormente julgá-lo, desencadeando uma profunda crise política, que viria a inundar de violência e crueldade nas ruas de Roma.


Júlio César


       Em 50 a.C., o senado aprovou uma moção para que César deixasse o  cargo de governador. Marco António, com o poder de tribuno do povo, vetou a proposta.

Marco António


Após a famosa votação, teve início uma violenta perseguição a César e a todos os seus partidários, patrocinada pela facção conservadora do senado. Quanto a António, este havia deixado Roma perante a altissima probabilidade de ser assassinado.
        Sem a oposição do senado, António declarou estado de emergência, concedendo poderes excepcionais a Pompeu. Quanto a César, este respondeu com uma famosa cruzada, atravessando o rio Rubicão.

Pompeu


Uma travessia ditou a guerra civil

        No dia 11 de Janeiro de 49 a.C., o general e estadista romano Caio Júlio César tomou uma decisão radical: atravessar o rio Rubicão, seguido pelo seu exército, transgredindo claramente a lei do Senado que determinava o licenciamento das tropas todas as vezez que o general de Roma entrasse em Itália pelo norte.



       Júilo César sabia que apartir do momento que concluísse a travessia, ou conquistava Roma, ou seriam esmagados por Pompeu. Esta atitude fez rebentar uma guerra civil, a segunda da República Romana, desta vez levando ao confronto Júlio César versus Pompeu. 

       Nessa ocasião, segundo o historiador Suetonius, Júlio César terá proferido a também famosa frase latina “alea jacta est”, significando: a sorte está lançada!



       De certa forma, foi a travessia deste rio por Júlio César com suas legiões que, ao precipitar uma guerra civil na República Romana, finalmente conduziu ao estabelecimento do Império Romano.

"Atravessar o Rubicão", o significado

      Esta expressão passou então a significar a tomada de uma decisão que se traduzirá numa perigosa empresa, pensar em grande, ou ainda, ultrapassar fronteiras, defrontando-se com um caminho duvidoso e potencialmente perigoso.

O destino do Rubicão

       A província da Gallia Cisalpina foi anexada à Itália no ano 42 AC, como parte do programa de “italização” de Otávio (Imperador Augustus) durante o Segundo Triunvirato. A partir desse momento desapareceu a importância do Rubicão como limite geográfico, deixando de representar a linha de fronteira do extremo norte da Itália. Esta decisão de Augustus fez com que o Rubicão perdesse muita importância e, enquanto as memórias caiam no esquecimento, o nome “Rubicão” gradualmente desapareceu da toponímia local.
     
       Hoje, muito pouca evidência existe da passagem histórica de César. Savignano Sul Rubicone, cidade banhada pelo antigo Rubicão, é uma cidade industrial e o rio tornou-se um dos mais poluídos da região de Emilia-Romagna. O velho Rubicão acabou perdendo, além da fama, o seu próprio curso natural.


Fontes:
http://cyberdiet.terra.com.br/a-travessia-do-rubicao-7-1-6-144.html
http://www.infopedia.pt/$rubicao
http://nsantanna.blogspot.com/2009/11/o-famoso-rubicao.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Civil_da_Rep%C3%BAblica_de_Roma

sábado, 3 de setembro de 2011

Amazing Grace


No meio da tempestade, um homem converte-se. Um dos mais espantosos hinos da História terá para sempre a sua assinatura.


O tráfico.

      Os navios negreiros costumavam começar a jornada na Europa quase vazios até que aportassem na costa africana. Lá, os chefes tribais (e não só!) entregavam aos navios Europeus as "cargas", compostas de homens e mulheres, capturados nas invasões e nas guerras entre tribos. Os compradores selecionavam os espécimes mais finos, que demonstrassem saúde ou qualidades úteis, comprando-os em troca de armas, munições, licor, e tecidos.





       Os cativos seriam trazidos para bordo,  sendo depois preparados para o "transporte". Eram acorrentados nas plataformas para impedir suicídios.
        Colocados lado a lado para conservar o espaço, em fileira após a fileira, uma após outra, até que a embarcação estivesse "carregada", normalmente até 600 "unidades" de carga humana. Os escravos eram "carregados" nos navios para a viagem através do Atlântico.



       Os capitães procuravam fazer uma viagem rápida até aos seus destinos, esperando preservar ao máximo a sua carga. Contudo, a taxa de mortalidade era alta, normalmente 20% ou mais. Quando um surto de desinteria ou qualquer outra doença ocorria, os doentes eram atirados ao mar.



       Uma vez chegados ao Novo Mundo, os negros eram negociados por açúcar e "melaço" que os navios carregavam para Inglaterra já na viagem de regresso do seu"comércio triangular."

John Newton converte-se

       John Newton era apenas mais um de muitos negreiros. Depois de um curto tempo na Marinha Real, iniciou a sua carreira como traficante de escravos. Transportou muitas cargas de escravos africanos trazidos para a América no século XVIII. Contudo, nada fazia prever o que estava para acontecer em 1748. Numa das suas viagens, o navio enfrenta uma colossal tempestade.



      Momentos depois de ele deixar o convés, o marinheiro que tomou o seu lugar foi ferozmente lançado ao mar. Ele próprio guiou a embarcação pela tempestade. Mais tarde, terá comentado que durante a tempestade sentiu que estavam tão frágeis e desamparados "que somente a Graça de Deus poderia salvá-los naquele momento"

      Conta a História que terá sido nestes minutos de aflição que Newton se terá convertido ao Cristianismo, pensando que ia morrer. Milagre ou não, Newton, sobrevive.

       Incentivado por este acontecimento e pelo que havia lido no livro, Imitação de Cristo de Tomás de Kempis, resolve abandonar o tráfico de escravos e converte-se verdadeiramente,tendo começado a estudar para ser "Pastor”. Nos últimos 43 anos de sua vida, pregou o evangelho em Olney e em Londres.

       No túmulo de Newton lê-se:
 
      "John Newton, uma vez um infiel e um libertino, um mercador de escravos na África, foi, pela misericórdia de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, perdoado e inspirado a pregar a mesma fé que ele tinha se esforçado muito por destruir".

O Hino

        O seu mais famoso testemunho continua vivo, no mais famoso das centenas de hinos que escreveu: Amazing Grace (ou  Graça Maravilhosa).

       Efectivamente, este hino é muito querido nos Estados Unidos, sendo que todos os cantores de renome terão feito a sua próprio interpretação, desde Elvis, a Aretha Franklin, Celin Dion, Celtic Woman, Cantores Gospel, entre centenas de outros, tendo mesmo sido realizado um filme em homenagem a este hino (http://www.imdb.com/title/tt0454776/).


Gospel

Celtic Woman

      Apesar da mensagem de felicidade e salvação, é frequentemente ouvido em cerimónias de comoção e pesar.

"Amazing Grace"

Amazing grace, how sweet the sound
That sav’d a wretch like me!
I once was lost, but now I'm found,
Was blind, but now I see.

’Twas grace that taught my heart to fear,
And grace my fears reliev’d;
How precious did that grace appear,
The hour I first believ’d!

Thro’ many dangers, toils and snares,
I have already come;
’Tis grace has brought me safe thus far,
And grace will lead me home.

The Lord has promis’d good to me,
His word my hope secures;
He will my shield and portion be,
As long as life endures.

Yes, when this flesh and heart shall fail,
And mortal life shall cease;
I shall possess, within the veil,
A life of joy and peace.

The earth shall soon dissolve like snow,
The sun forbear to shine;
But God, who call’d me here below,
Will be forever mine.

John New­ton, Ol­ney Hymns (Lon­don: W. Ol­i­ver, 1779)




quinta-feira, 1 de setembro de 2011

"Mesa redonda" descoberta

"Foi encontrada uma fortaleza circular coberta com relva pelos arqueólogos da Universidade de Glasgow, nos jardins de “King’s Knot”, em Stirling Castle, na Escócia. Os investigadores suspeitam que por baixo daquele achado possa estar a Mesa Redonda do Rei Artur. Os jardins onde desde Maio estão a decorrer as investigações datam de 1620, embora se estime que a forma circular descoberta seja mais antiga."

      O objectivo da investigação, que decorreu em conjunto com a Stirling Local History Society (SLHS) e a Stirling Field and Archaeological Society, é tentar descobrir mais segredos sobre a história para além dos que já foram desvendados. A Mesa Redonda do Rei Artur era o local onde os cavaleiros (supostamente) se reuniam para debaterem os problemas de segurança do reino, mas ao contrário do que acontecia em outras reuniões da época, estes cavaleiros não se diferenciavam através de classes sociais.

"Arthur fixou residência em Camelot e ali esperou Guinevere, que veio acompanhada por 100 Cavaleiros da Irmandade da qual trouxeram consigo a Mesa Redonda"

      "Esta não é a primeira vez que alguém tenta descobrir mais mistérios em torno da Mesa Redonda. Também Carlos I, no século XVII, tentou investigar mais segredos na mesma zona onde agora estão a decorrer as investigações."

Castelo Stirling

      "O historiador John Harrison, presidente da SLHS, revelou que “os arqueólogos estão a utilizar uma técnica de teledetecção geofísica e, ao que parece, localizaram uma vala circular por baixo de ‘King’s Knot’”, cita o jornal britânico The Daily Telegraph. Harrison que estudou o “King’s Knot” durante 20 anos acrescenta: “É um mistério que os documentos não podem resolver, mas a geofísica deu-nos novas perspectivas.” "

A descoberta

       "O coordenador do projecto, o arqueólogo Stephen Digney, defende que a área em torno do Stiling Castle “tem algumas das mais belas paisagens da Europa medieval”, e que por isso esta “investigação é um passo empolgante que conta com o esforço sério para explorar, explicar e interrogar”. "


Mesa atribuída aos Cavaleiros da Távola Redonda e Rei Arthur, em Winchester


        "Alguns escritores medievais fizeram referência ao local como sendo a principal localização para a famosa Mesa Redonda do Rei Artur. O poeta escocês John Basbour disse, em 1375, que a mesa redonda estava no sul de Stirling Castle, e em 1478, foi a vez de William de Worcester contar como é que o “Rei Artur manteve a Mesa Redonda em Stirling Castle”."


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Trento: o Concílio

      Torna-se mais urgente do que nunca, em meados do séc. XVI, convocar um concílio para responder aos problemas (e provocações) colocados pelos movimentos reformadores na Europa. As ideias de Lutero triunfam grandemente no Império Germano, a reforma de Zúnglio impõe-se na Suíça, a de Calvino em França e até Inglaterra rompe com o papado. A Igreja está em ruptura?

"Toda a gente grita: concílio! concílio! concílio!"
 formula laconicamente o legado do papa, Aleandro.


Concílio precisa-se.

     Desde o inicio da Reforma e face às afirmações dos protestantes que, no parecer de certos católicos, se torna indispensável redefinir claramente os dogmas da Igreja de Roma, assim como as regras da disciplina eclesiástica.
     Obstáculos doutrinários e políticos retardam, porém, a reunião do concílio: o humanista Erasmo, conselheiro de Carlos V, quer acreditar na reconciliação com os protestantes. A definição unilateral dos dogmas cristãos poderia conduzir a algum tipo de heresia.  Por outro lado, as hostilidades entre Carlos V e a França (guerras de Itália) tornam materialmente difícil a reunião de uma assembleia que represente a Europa e que, aliás, se manteria na península, não muito longe de Roma.

      Por seu lado, o próprio papa teme a realização de um concílio onde a voz dos altos dignitários da Igreja se sobrepusesse à sua própria voz e autoridade única.  Contudo, eleito em 1534, o papa Paulo III Farnésio  é um feroz partidário da abertura de um concílio.

Paulo III (com Inácio de Loyola)

        Em resumo, os entraves iniciais a este concílio, terão sido,então, o facto da Cúria romana temer perder privilégios, o papa receava o Conciliarismo (teoria pela qual o Concílio está acima do papa), a França queria abater a hegemonia européia do Império Romano Germânico e os príncipes protestantes não pretendiam devolver os bens conquistados.

Trento

        Depois de duas tentativas falhadas, uma em Mântua e outra em Ratisbona, a escolha de Trento, cidade italiana em território imperial, permite contentar simultaneamente franceses, italianos e alemães.

        A 13 de Dezembro de 1545 tem lugar em Trento a cerimónia de abertura da (muitíssimo) esperada assembleia.

O mais longo

      Muito dificil de organizar, este concílio terá sido o mais longo da história da Igreja: durante 18 longos anos , sob 4 papas sucessivos e 25 sessões, os sacerdotes conciliares legislaram sobre a doutrina catolica.
      Os inícios foram enganosos: à sessão de abertura, apenas 4 cardeais, 25 bispos e 5 superiores de ordens religiosas se encontram na Catedral de San Vigilius de Trento. A presidência é confiada aos três legados pontífices, Pole, Cervini e Del Monte.



Catedral de San Vigilius de Trento


      Apesar da vontade de Carlos V, os protestantes estão ausentes desta reunião que, ironicamente, é definida como "ecuménica e geral".

Carlos V´

I fase



      Até 1549, os sacerdotes deliberaram acerca das Escrituras (a versão latina da Vulgata é reconhecida como canónica), sobre os sacramentos e o problema da justificação do Homem pela graça ou pelas obras, ponto essencial de discórdia entre católicos e protestantes.

      Em 1547, quando Carlos Vse aproxima com as suas tropas de Trento, os membros do concílios aproveitam o pretexto de uma epidemia e movem-se para Bolonha. Em Setembro de 1549, Paulo III dois meses antes de morrer, autoriza que os sacerdotes se retirem.

II fase



      Uma segunda fase tem início em 1551, depois da eleição do cardeal Del Monte, que se torna papa sob o nome Júlio III. Tal como em 1545, os efectivos são escassos: 65 conciliares, na sua grande maioria espanhóis; o rei de França, Henrique II, terá proibido aos seus bispos de irem a Trento...

      Desta vez, as discussões centram-se na disciplina eclesiástica, sacramentos, assim como na doutrina da transubstanciação ou presença do corpo e do sangue de Cristo no pão e vinho da Eucaristia, outro grande foco de discórdia com os protestantes.

      Face ao recrudescimento das hostilidades na Europa, os sacerdotes ficam temerosos e em Abril de 1552, o concílio faz nova pausa.

      Nos anos seguintes, a chegada ao pontificado do cardeal Carafa (Paulo IV, 1555-1559) marca uma interrupção nas tentativas de conciliação com o protestantes. Em 1555, a paz de Augsburgo instaura uma trégua entre as duas religiões do Estado do Império Germânico. A situação estabiliza: a existência de duas correntes cristãs irreconciliáveis torna-se evidente.

A obra do Concílio

      O quarto papa do concílio, Pio IV, eleito em 1559, fixa a sessão de abertura da última fase do concílio para Janeiro de 1562. Neste momento, os italianos estão em franca maioria, entre os 113 participantes. Já não há alemães e os prelados franceses só chegarão em Dezembro desse ano.

Pio IV (Giovanni Angelo de Medici )

       As últimas sessões definem o sacramento da ordenação eclesiástica, decidem a criação de seminários para formar futuros sacerdotes, abordam a questão da organização do culto dos santos e da veneração das imagens.




       A 4 de Dezembro de 1563 é proclamado o encerramento do Concílio de Trento: 236 padres conciliares assinam as Actas, confirmadas pelo papa em 1564.

       Reunido sob condições dificeis, o concílio cumpriu uma obra conciderável:

       - Reforma da carreira eclesiástica, com a formação de seminários de sacerdotes ordenados a partir dos 25 anos, não podendo acumular cargos

       - Definiu o pecado original e declarou, como texto bíblico autêntico, a tradução de São Jerónimo, denominada "Vulgata". O Concílio declarou que a tradução latina da Bíblia, a Vulgata, era suficiente para qualquer discussão dogmática e só a Igreja tem o direito de interpretar as Escrituras

       - Manteve os sete sacramentos, o celibato clerical e a indissolubilidade do matrimónio;

       - Afirmação dos dogmas católicos da salvação pela graça e obras, da transubstanciação, definição das doutrinas relativas ao culto da Virgem, outros santos e das relíquias;

       - Mantiveram-se as indulgências, a doutrina do purgatório; definiu o sacrifício da missa e a renovação do catecismo;

       - Ao contrário dos anteriores, ficou estabelecida a supremacia papal.

       - No que diz respeito à melhoria da conduta do clero, o Concílio foi muito positivo. Formulou-se uma legislação com o objetivo de eliminar os abusos. Os sacerdotes deveriam residir junto às paróquias, os bispos, na sede episcopal, monges e freiras em seus mosteiros e conventos.

       Enquanto os protestantes afirmavam que a Escritura Sagrada deveria ser  a única regra a seguir como prática para os  cristãos, o Concílio colocava a tradição e os dogmas papais no mesmo pé de igualdade com a Bíblia. Outra resolução do Concílio de Trento que acentua a diferença entre católicos e protestantes foi a inclusão de livros dêuteros canónicos no cânon bíblico.

      Além da reorganização de muitas comunidades religiosas, novas ordens foram também fundadas, dentre as quais a Companhia de Jesus, ou Ordem dos Jesuítas, cujo fundador foi Inácio de Loyola.

Os sobrenomes

     Este Concilio teve uma especial importância para a genealogia devido à resolução que determinava que toda a criança, para ser batizada na Igreja Católica deveria possuir um nome cristão e um sobrenome de familia. Desta forma, as famílias que ainda não o possuíam foram obrigadas a assumir um termo que os identificasse, o uso de sobrenomes familiares foi então implantado definitivamente.


     A aplicação das decisões saídas deste Concílio é rápida em Itália, Espanha e Portugal, mas mais demoradas em França devido às guerras da Religião. Estas decisões prolongam-se no importante movimento da Contra-Reforma ou Reforma católica, que transforma a vida espiritual dos cristãos em obediência romana.

    Um dos papas teria confessado que Deus permitiu a revolta protestante por causa dos pecados dos homens, “especialmente dos sacerdotes e prelados”. A cristandade a partir daí permaneceria definitivamente dividida entre católicos e protestantes, sem mencionar a divisão anterior, ocorrida em 1054 entre Igreja Cristã e Igreja Ortodoxa Grega.


Que não restem dúvidas, a Contra Reforma prosseguiu após este Concílio, tanto na liturgia, como nas ... fogueiras.

Fontes:
Astier et al., (2000), Memória do Mundo, Círculo de Leitores

sábado, 27 de agosto de 2011

O "fiel amigo"

"Bacalhau para os povos de língua portuguesa; Stockfish para os anglo-saxónicos; Torsk para os dinamarqueses; Baccalà para os italianos; Bacalao para os espanhóis; Morue, Cabillaud para os franceses; Codfish para os ingleses."


      Mundialmente apreciado, a história do bacalhau remonta a milénios atrás. Há registos de  fábricas para processamento do Bacalhau na Islândia e na Noruega no Século IX. 

     Contudo, são os Vikings os pioneiros na descoberta do cod gadus morhua, espécie que era farta nos mares que navegavam. Como não tinham sal, apenas secavam o peixe ao ar livre, até que perdesse quase um quinto do seu peso e "endurecesse como uma tábua de madeira, para ser consumido aos pedaços nas longas viagens que faziam pelos oceanos".



       Já os pioneiros no seu comércio foram mesmo os Bascos, habitantes das duas vertentes dos Pirinéus Ocidentais, do lado da Espanha e da França. Os Bascos conheciam o sal e existem relatos de que já no ano 1000, realizavam o comércio do bacalhau curado, salgado e seco.  Terá sido na costa de Espanha, então, que o bacalhau começou a ser salgado e depois seco nas rochas, ao ar livre, para que o peixe fosse melhor conservado.


Também houve Guerras...

      O bacalhau foi uma revolução. Na realidade, durante milénios os alimentos estragavam-se pela precária conservação, pelo que o seu comércio era limitado. O método de salgar e secar, além de garantir a sua perfeita conservação mantinha todos os nutrientes (e apurava o paladar).



      Desta forma, um produto de tamanho valor sempre despertou o interesse comercial dos países com frotas pesqueiras.

- Em 1510, Portugal e Inglaterra firmaram um acordo contra a França.
- Em 1532, o controlo da pesca do bacalhau na Islândia deflagrou um conflito entre ingleses e alemães conhecido como as "Guerras do Bacalhau".
- Em 1585, outro grande conflito envolveu ingleses e espanhóis.



      Efectivamente, ao longo dos séculos, várias legislações e tratados internacionais foram assinados para regular os direitos de pesca e comercialização do tão cobiçado peixe. Actualmente, com a espécie ameaçada de extinção em vários países, como o Canadá, tratados internacionais para controlo da pesca estão a ser revistos, para assegurar a reprodução e a preservação do "Príncipe dos Mares".

O "fiel Amigo"


"Devemos aos portugueses o reconhecimento por terem sido os primeiros a introduzir, na alimentação, este peixe precioso, universalmente conhecido e apreciado".
(Auguste Escoffier, chef-de-cuisine francês, 1903).

      Os portugueses descobriram o bacalhau no século XV, na época das grandes navegações. Precisavam de produtos que não se estragassem facilmente, que suportassem as longas viagens, que levavam às vezes mais de 3 meses de travessia pelo Atlântico.




      Realmente, foram feitas várias tentativas com vários peixes da costa portuguesa, mas foram encontrar o peixe ideal perto do Pólo Norte. Foram os portugueses os primeiros a ir pescar o bacalhau na Terra Nova (Canadá). Há registos de que em 1508 o bacalhau correspondia a 10% do pescado comercializado em Portugal.
      Já em 1596, no reinado de D. Manuel, mandava-se cobrar o dízimo da pescaria da Terra Nova nos portos de Entre Douro e Minho. Também pescavam o bacalhau na costa da África.
     Assim, o bacalhau foi imediatamente incorporado nos hábitos alimentares, sendo até hoje uma das principais tradições portuguesas. Tornámo-nos os maiores consumidores de bacalhau do mundo, designando-o por "fiel amigo".




"Este termo carinhoso dá bem uma idéia do papel do bacalhau na alimentação dos portugueses".
“Os meus romances, no fundo, são franceses, como eu sou, em quase tudo, um francês – excepto num certo fundo sincero de tristeza lírica que é uma característica portuguesa, num gosto depravado pelo fadinho, e no justo amor do bacalhau de cebolada!”Eça de Queiroz ( carta a Oliveira Martins )


A incerteza da pesca

      O bacalhau chegava a Portugal de várias formas. Até o meio do século XX, os próprios portugueses aventuravam-se pelos perigosos mares da Terra Nova, no Canadá, para a pesca do bacalhau.
      "Nos finais do séc. XIX, as embarcações portuguesas enviadas à pesca do Bacalhau eram de madeira e à vela, sendo praticada a pesca à linha. Tratava-se de uma prática muito trabalhosa, apenas rentável em regiões onde abundava o peixe. Este tipo de pesca era praticado a partir dos dóri: pequenas embarcações de fundo chato e tabuado rincado, introduzidas em Portugal nos finais do século passado."

( Extraído de Apontamentos Etnográficos de Aveiros  http://www.dlc.ua.pt/etnografia).







      "Na pesca do bacalhau, tudo era duplamente complicado. Maus tratos, má comida, má dormida...Trabalhavam vinte horas, com quatro horas de descanso e isto, durante seis meses. A fragilidade das embarcações ameaçava a vida dos tripulantes" dizia Mário Neto, um pescador que viveu estes episódios e pode falar deles com conhecimento de causa.
      Quando chegava à Terra Nova ou Gronelândia, o navio ancorava e largava os botes. Os pescadores saíam do navio às quatro da manhã e só regressavam à mesma hora do dia seguinte, com ou sem peixe e uma mínima refeição: chá numa termos, pão e peixe frito. No navio, o bacalhau era preparado até às duas ou três da manhã. Às cinco ou seis horas retomava-se a mesma faina. Isto, dias e dias a fio, rodeados apenas de mar e céu. ... Vidas duras...!"
Teresa Reis
     
      Actualmente, Portugal importa praticamente todo o bacalhau salgado e seco que consome. Também importa muito bacalhau "verde", que é salgado e curado nas próprias indústrias portuguesas, como a Riberalves, localizada em Torres Vedras.


O "fiel amigo" e a Religião

      A Igreja Católica, na época da Idade Média, mantinha um rigoroso calendário onde os cristãos deveriam obedecer aos dias de jejum, excluindo de sua dieta alimentar as carnes consideradas "quentes". O bacalhau era uma comida "fria" e o seu consumo era incentivado pelos comerciantes nos dias de jejum. Com isso, passou a ter forte identificação com a religiosidade e a cultura do povo português.

      "O número de dias de jejum e abstinência a que se sujeitavam anualmente os portugueses era considerável, não se limitando ao período da Quaresma, a época do ano em que o bacalhau era "rei" à mesa. Segundo Carlos Veloso, durante mais de um terço do ano não se podia comer carne. Assim era na "Quarta-Feira de Cinzas e todas as Sextas e Sábados da Quaresma, nas Quartas, Sextas e Sábados das Têmperas, (n)as vésperas do Pentecostes, da Assunção, de Todos-os-Santos e do dia de Natal e ainda nos dias de simples abstinência, ou seja, todas as Sextas-Feiras do ano não coincidentes com dias enumerados para as solenidades, os restantes dias da Quaresma, a Circuncisão, a Imaculada Conceição, a Bem-Aventurada Virgem Maria e os Santos Apóstolos Pedro e Paulo."

      O rigoroso calendário de jejum foi, a pouco e pouco, sendo desfeito. Já a tradição do bacalhau  mantém-se forte nos países de língua portuguesa até aos dias de hoje, principalmente no Natal e na Páscoa, as datas mais expressivas da religião católica.


Comida de pobre?

      Durante muitos anos o bacalhau foi um alimento barato, sempre presente nas mesas das camadas populares. Era comum nas casas portuguesas e brasileiras servido às sextas-feiras, dias santos e festas familiares.
     Porém, após a 2ª Guerra Mundial, com a escassez de alimentos em toda a Europa, o preço do bacalhau aumentou, restringindo o consumo popular. Ao longo dos anos foi mudando o perfil do consumidor do bacalhau, e o consumo popular do peixe passou-se a concentrar, principalmente, na principal festa cristã: o Natal.



      Se por um lado é certo que no Sul de Portugal há outros pratos típicos de Natal, é no Norte que este prato assume por si só toda a importância da festa.
      Em Portugal são incontáveis o número de receitas culinárias com o "fiel amigo", existe para todos os gostos, de todas as formas e feitios.


     
      Conheço quem diga que bacalhau é óptimo todo o ano, mas no Natal tem um sabor especial.