D. Pedro I subiu ao trono de
Portugal com 37 anos, em 1357. Era provavelmente já bem conhecido em todo o
território nacional, estando muito habituado a percorrê-lo de norte a sul. A
ideia geral, era a de ser um príncipe que gostava de confraternizar com o seu
povo. Contudo, não é pequena a distância entre a lenda do formoso D. Pedro e a
verdadeira natureza do monarca…
O justo
D. Pedro era obcecado pela
justiça. Procurava aplicá-la de forma uniforme e democrática, chamando a si
litígios de qualquer natureza. Quer o conseguisse, quer não, este desejo
contribuiu bastante para a sua popularidade diante da plebe, assim como para as
indulgências gerais ante os seus desatinos, alienações e atrocidades.
O facto de ser rei não fez com
que este monarca assentasse, antes pelo contrário, continuou a vaguear pelo
território, incapaz de se demorar em qualquer aldeia ou cidade ou região. Era
instável. Esta constante necessidade de mudança indicava sem dúvida, além de
instabilidade, um grande nervosismo. Contudo, a verdade é que nenhum monarca
português daquele tempo deve ter conhecido tão bem o território nacional de
Monção a Faro, de Sintra a Olivença.
Crise, crise, crise
Uma crise generalizada caracterizou
todo o reinado de D. Pedro, explicando muitas das suas medidas: regulamento das
pastagens, protecção à agricultura, assim como, moralização exacerbada,
discriminação contra os judeus, perseguição a feiticeiras e magos, punições
altamente exageradas. Obviamente nada disto impediu a recorrência quer da
peste, quer da fome.
No campo da justiça, este reinado
trouxe um conjunto de medidas importantes que continuaram as medidas já
implementadas por Afonso IV, tal como a criação de novos concelhos, leis de
fomento do comércio marítimo internacional, entre outras. Porém, há registos de
episódios de alegada justiça simplesmente anedóticos, como os que se descrevem
de seguida…
Adultério: o pecado dos outros
Apesar de toda a lenda envolta do
seu cego amor pela galega Inês de Castro, são várias as fontes que põem em
causa a sexualidade do monarca, hoje tida como bissexual. De facto, o
monarca havia sido casado com Branca de Castela, mas repudiou-a, argumentando
que a princesa tinha um aspecto doentio e frágil. Depois surgem três filhos
entre Pedro e Inês de Castro, o que acalmam os rumores.
Porém, a justiça de Pedro era
absoluta (e cega) no que tocava aos seus amores…O cronista Fernão Lopes escreve
um capítulo de uma sua obra intitulando-o: “Como
El-Rei mandou capar um seu escudeiro porque dormia com uma mulher casada",
levantando o véu por entre os rumores que corriam: o monarca tinha ciúmes do
seu escudeiro, de nome Afonso Madeira.
O escudeiro é descrito como “um grande cavalgador, caçador, lutador e ágil
acrobata”, escrevendo Fernão Lopes :"Pelas suas qualidades, El-Rei amava-o muito e fazia-lhe generosas
mercês." Mas o escudeira amava uma mulher, Catarina Tosse, esposa do Corregedor,
uma mulher "briosa, louçã e muito elegante, de graciosas prendas e boa
sociedade". Alegadamente para se aproximar da tal mulher, Madeira fez-se
amigo do Corregedor, vindo depois a consumar a traição.
D. Pedro descobriu o delito e não perdoou “ o seu amado”, castigando-o brutalmente. O cronista refere
enigmaticamente: "Como quer que o
Rei muito amasse o escudeiro, mais do que se deve aqui dizer (...)",
mas assinala que D. Pedro mandou "cortar-lhe
aqueles membros que os homens em maior apreço têm". O escudeiro terá
recebido assistência e sobrevivido, mas "engrossou nas pernas e no corpo e viveu alguns anos com o rosto
engelhado e sem barba". Este amargo episódio, assim como outros
semelhantes, mostram que nem sempre a justiça do soberano era correcta e leal,
misturando diversas versas justiça com os seus humores e vontades. Está visto que o adultério alheio
o irritava particularmente. Alheio, dado que estando já casado com Constança,
continuava a namorar Inês de Castro. Mas isto eram coisas de rei, logo,
sagradas.
Voltando à justiça, sabendo que uma mulher era infiel
ao marido, ordenava que a prendessem em flagrante e a queimassem de seguida,
imediatamente. Ao amante era aplicada a pena de degola.
Por processo semelhante, sofreu o
bispo do Porto análogo castigo. Uma história curiosa, digo eu. Passando na
Invicta Cidade, D. Pedro mandou chamar o bispo à sua presença, fechou-se com
ele, ordenou-lhe que se despisse da cintura para cima e, interrogando-o,
dispunha-se a espancá-lo exemplarmente. O escrivão, servindo-se do
pretexto de entregar cartas ao rei inadiáveis, conseguiu entrar na câmara e
distrair o “régio algoz” do desígnio.
Por outro lado, em Avis, um
fidalgo foi degolado por ter agredido um porteiro que fora a sua casa executar
uma acção de penhora. Enforcado foi um escrivão do tesouro que desviara uma
pequena quantia.
Se a sua ânsia de deambular de
terra em terra se devia ao seu gosto em contactar com o povo, por outro lado, o
que o movia ardentemente era o seu desejo de levar justiça a todos os cantos.
Ao mesmo tempo que aplicava a justiça, mostrava-se afável com os que o serviam.
Bastantes vezes açoitava com as
próprias mãos malfeitores que eram trazidos à sua presença; repreendia-os em
tom desabrido, na sua “difícil elocução de gago”, ameaçando com o chicote
enquanto interrogava.
Hábil político?
No que diz respeito à nobreza, o
monarca nada fez para travar os seus excessos e influências. Pelo contrário. De
facto, aumentou as quantias que recebiam, a concessão de sucessivas mercês, engrandecimento
de vários senhores, apontando um grande passo atrás relativamente à política de
D. Afonso IV e D. Dinis.
No que concerne à Igreja, D.
Pedro não parecia afeiçoar-se ao clero português. Perseguiu-o. Todo um conjunto
de medidas indica muito pouca simpatia com o clero quer regular, quer secular.
A D. Pedro se deveu também o começo das nacionalizações das ordens religiosas
militares ao investir o filho bastardo João no mestrado de Avis. Tal filho
bastardo será mais tardiamente D. João I, mestre de Avis, rei de
Portugal, pai da Ínclita geração. Ora a mãe de D. João não era, obviamente, D.
Constança, mas sim uma dama galega, D. Teresa. Mais uma vez, não terá sido adultério,
mas acto sagrado…
Quanto a política exterior, o
monarca auxiliou Castela contra Aragão, vindo-se a revelar um hábil estratega
aquando de evitar querelas com os ingleses, apoiantes do monarca deposto em
Castela. Realmente, neste campo o rei parece ter-se rodeado de bons
conselheiros, mantendo o reino em paz no difícil jogo a que obrigavam as
discórdias internas do país vizinho.
O humor de D. Pedro
Como já referido, o monarca não
era de perfeita saúde mental. Tinha um carácter desigual e excessivo. Desmesurado
nos arrancos com que exercia a justiça (?), desmedido nas paixões, como no caso
de Inês ou do pajem, exagerado nos júbilos quando o humor lhe pedia que
descesse à praça e se “imiscuísse nas alegorias populares, bailando e tangendo
com a arraia miúda”.
De facto, dos reis portugueses
terá sido aquele que mais inspirou novelistas e poetas. O seu feitio chocante,
as taras que o governavam, o episódio de Inês, o castigo que infligiu aos alegados
assassinos de Inês, entre outros.
São também curiosas as descrições acerca das
noites em que o assolavam terrores nocturnos, levando-o a deixar a câmara e a
mandar reunir as gentes nas ruas para improvisar, a horas tardias, bailes e
cantigas populares: se o rei não conseguia dormir, porque haveria os servos e a
plebe de conseguir?
O povo gostava dele. Mas temia-o.
Seduzia-o um rei que não desdenhava de se lhes juntar nas festas, que justiçava
quer o poderoso, quer o pobre (não interessava muito se havia ou não justiça,
desde que houvesse castigo…), assim como um rei que evitava a todo o custo
guerras com o exterior.
O episódio do casamento
Em 31 de Agosto de 1339, o ainda
príncipe Pedro casa-se com Constança Manuel, nobre castelhana. No séquito da
rainha, entre muitas mulheres está Inês de Castro, galega, filha do altamente
poderoso Pedro Fernão de Castro.
D. Constança
Quando nasce o primeiro filho do
casal, D. Luis, a rainha convida Inês para madrinha do príncipe recém-nascido. Segundo
os preceitos Católicos, toda e qualquer relação carnal entre os pais da criança
e os padrinhos deverá ser vista como pecado do incesto. Ora o pequeno infante
morre com uma semana e Inês começa a ser mal vista em Portugal. Efectivamente,
se a criança morreu devido ao pecado ninguém sabe, mas a verdade é que Pedro há
muito que traía Constança com a galega Inês e já todo o reino falava do assunto.
Inês de Castro
Além do escândalo, às claras, da
rainha andar a ser traída, os influentes irmãos de Inês de Castro há muito que
circundavam o ainda príncipe Pedro, por forma a requisitar-lhe benefícios em
favor de Castela.
Todo este pecaminoso envolvimento
entre Pedro e a galega estava a trazer grande constrangimento a Portugal, principalmente
ao rei D. Afonso IV seu pai, dado estar a influenciar a política interna
portuguesa, relativamente a reinos espanhóis. Desta forma, Afonso IV manda
exilar Inês, a qual tinha já três filhos com o príncipe. Mas a influência sobre
o príncipe não cessou e, em 1355, Afonso IV manda executar a galega Inês, por forma
a fazer voltar à facção portuguesa o filho.
Tal não acontece. D. Pedro
revoltar-se-ia pelo menos duas vezes contra o pai e quando sobe ao trono não
cessa a procura pelos alegados assassinos da galega, matando-os de forma
estranha: manda arrancar os corações aos dois homens, sendo que a Pedro Coelho
fê-lo pelo peito e a Álvaro Gonçalves pelas costas; depois, manda queimar
ambos, em frente ao palácio, de modo a que o Soberano pudesse assistir enquanto
almoçava.
Anos mais tarde, em 1360, D.
Pedro jura solenemente perante as Cortes que se havia casado com a galega Inês
fazia nessa altura sete anos. Não se lembrava da hora, nem do dia, nem tão
pouco do mês. Testemunhas? O rei traz à presença das Corte o bispo de Évora e Estevão
Lobato, um criado do rei. Nenhuma das testemunhas sabia a dita data do
casamento.
Ilustração relativa ao casamento mencionado pelo rei com a galega Inês
Porém, a ser verdade, Inês seria
igualmente rainha de Portugal. Como tal, conta a tradição popular que o rei
manda desenterrar a rainha (Inês de Castro, entenda-se), procede à sua coroação, obrigando de seguida a que todos os nobres beijem a mão do cadáver
há muito em decomposição.
Ilustração relativa ao rei e ao cadáver de Inês de Castro
Facto é que ambos os corpos estão
sepultados juntos, no Mosteiro de Alcobaça, em dois soberbos túmulos mandados
erigir pelo soberano Pedro.
Túmulo de D. Pedro
Túmulo de Inês de Castro
Quanto a Constança, a História
nunca se preocupou muito com o que sucedeu à verdadeira e consagrada rainha de
Portugal. Morreu no dia 13 de Novembro de 1345, diz o povo que de desgosto, vergonha, tristeza e abandono. Dias antes, a 31 de Outubro tinha nascido o futuro rei de
Portugal, D. Fernando. A rainha Constança nunca chegou a ver Pedro sentado no
trono, morrendo com 27 anos. O seu túmulo está no museu do Carmo, em Lisboa.
Fontes:
Ribeiro, A; Saraiva,
JH (2004) História de Portugal – A afirmação do País – da conquista do Algarve
à regência de Leonor Teles, Volume 2, Quidnovi
Oliveira Marques, AH; Carneiro, R; Teodoro de Matos, A
(2001) O milénio Português – Século XIV O tempo das Crises, Circulo de Leitores
SA
sei que existe carência de datas e controvérsias, mas uma coisa é certa, os filhos de Pedro e Inês nasceram somente depois da morte da Constança
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