No século XII aC, após uns longos dez anos de cerco, a
cidade de Tróia na Ásia Menor desmorona-se sob os ataques de uma coligação
grega. Lenda ou realidade, perdura como mistério, mas a queda da cidade subsistirá
durante séculos na memória quer de Gregos, quer de Latinos. Porém, descobertas dos último anos trazem à luz provas de que Tróia poderá ter sido mais do que lenda.
Cenas de massacre e devastação, um pânico que se apoderou
dos habitantes assim que os sitiadores entraram na cidade, invadindo
habitações, palácios, reduzem os templos a escombros e cinza. São vistos
gigantescos incêndios, tais são os episódios e memórias que os Antigos
guardavam no seu espírito durante séculos, símbolos do horror da guerra.
Páris, o sobrevivente
Príamo, rei de Tróia havido tido mais um filho com sua
esposa, Hécuba: Páris. Diz a lenda que quando Páris nasceu, uma sacerdotisa haverá
dito a Príamo que a criança deveria ser imediatamente morta, caso contrário,
viria a destruir toda a cidade…
Por forma a impedir a profecia, os pais de Páris abandonam a
criança fora das muralhas da cidade, com o intuito da criança morrer, longe.
Contudo, o destino ter-lhe-á dado uma oportunidade e o bebé é descoberto por
pastores, entre os quais cresceu, lá bem
longe, nas colinas do monte Ida. Quando homem, casa-se com Enone, camponesa da
região.
Anos mais tarde, Páris regressa a Tróia por forma a competir
nos jogos da cidade, tendo sido reconhecido pela família real. Coberto de
profundo remorso, o soberano acolhe de imediato o seu filho, tornando-o de
imediato embaixador de Tróia
.
Durante uma sua expedição como embaixador a Esparta, Páris
não consegue um encontro com o soberano local, Menelau que se encontrava
ausente. Pelo contrário, encontra Helena.
Helena, Ulisses e um cavalo
Na origem da luta impiedosa que opõem os gregos aos
troianos, contam as fontes que terá existido um romance: Páris rouba a estonteante
e bela Helena, esposa do rei Menelau.
Rei sem esposa, vergonha pela certa, dado esta ter sido
“raptada” pela sua própria vontade, não fosse Páris também ele um belo exemplar
troiano…Para vingar a honra de Menelau, Agamémnon seu irmão reúne uma
verdadeira irmandade de vários povos gregos, vindos de diferentes Cidades -
Estado. Sob o seu comando, Tróia ficará cercada.
Não terá sido só em Esparta que Páris causaria estragos: em
Tróia, Páris renega Enone e o seu filho, tendo os dois de fugir, de novo, para
as montanhas. Diz a lenda que terá sido a estupidez de Páris que, afinal,
acabaria por salvar a vida quer a Enone, quer ao filho de ambos, Corito.
Porém, voltando ao assunto da invasão grega, a construção das
muralhas da cidade era de tal forma perfeita (atribuída a Poseidon) que os
diversos assaltos dos sitiadores não lhe alteram a estrutura. Durante dez anos,
frente à impenetrável muralha, nenhum dos heróis gregos – Ulisses, Nestor, os
dois Ajax- conseguem produzir qualquer efeito na fortaleza. O futuro parecia
eternamente longo, tendo pela frente apenas e só… a muralha.
Desta forma, o mais astucioso dos gregos, Ulisses, tem a
ideia de camuflar a entrada na desejada cidade, construindo um fabuloso cavalo,
monstruosamente grande, com lugares para centenas de guerreiros no seu
interior. Outros, porém, começavam a abandonar o exterior da muralha, para
incredulidade troiana. No final, o que resta no exterior do recinto é o vazio.
E um presente dos gregos. Um cavalo, um espectacular cavalo de madeira, tão
grandioso que só Tróia se lhe compara. O cavalo é trazido para dentro das
muralhas, para o seio da cidade.
Diz a lenda que durante a noite os soldados escondidos no
interior da estátua saem para a
escuridão da noite, abrindo as portas da cidades para os restantes soldados
gregos que, afinal não se tinham retirado. Entram numa cidade adormecida e não
vigiada, afinal, o perigo já tinha passado…
Aniquilação total: o nascimento de uma lenda
Para os troianos, dispersos nas suas casas, adormecidos,
indefesos e desarmados, a resistência é impossível. Enquanto inúmeros incêndios
deflagram em vários pontos da cidade, os gregos entram nas casas, roubam tudo,
matam, massacram.
“Nas ruas obscuras, os homens são mortos, as mulheres feitas
prisioneiras.”
Também o palácio do rei Príamo é invadido: Cassandra, a
filha do rei, é arrancada do altar de Atena onde se tinha refugiado,
tornando-se presa de Agamémnon; já a sua cunhada, Andrómaca, diz a lenda que fica
“aos cuidados” do filho de Aquiles; quanto ao jovem Astíanax, filho de Heitor,
é lançado do alto das muralhas. Quanto ao rei Príamo, apesar da sua idade
avançada ousa pegar em armas para defender o que é seu, mas a verdade é que
acaba decapitado.
Todo o processo é feito ao som de lamúrios, gritos de agonia
e terror. Depois de tudo, reina então, o silêncio final em Tróia. O espólio
retirado do palácio real é posto à disposição de Ulisses. Percorrendo as longas
muralhas, vê-se uma longa, longa fila de mulheres e crianças, acorrentadas,
sangrando, assustadas e em silêncio, pensando no horrível destino que as
aguarda.
Já nada mais resta de Tróia, a não ser ruínas fumegantes.
Confusão histórica?
Se por um lado grande terror rodeia os poemas de Homero, o
chamado “inventor de Tróia”, o que é facto é que nos séculos seguintes ninguém
tinha bem a certeza se a narração de Homero teria ou não sido verídica. Nos
finais da Antiguidade, a história passa a ser olhada como lenda e não tanto
como narração verídica:
“Este famoso cavalo de madeira era certamente uma máquina de
guerra capaz de arrasar muralhas; ou então somos obrigados a acreditar que os
Troianos eram muito estúpidos, insensatos e sem sombra de juízo”
(Pausânias, geógrafo grego século II)
Progressivamente, a descrição da aniquilação da cidade é
tida como uma peça literária brilhante e admirável, mas completamente
desprovida de sentido histórico. Assim foi até que, em finais do século XIX, o
alemão Heinrich Schliemann, um admirador e apaixonado pela literatura grega,
decide provar que toda a narração de Homero existiu verdadeiramente, que Tróia
existiu e que conheceu todo aquele fim trágico. Na década de 1870, o
especialista traz à luz do dia, na
colina de Hissarlik (actual Turquia), não uma, mas nove cidades soterradas e
sobrepostas, sendo que a mais antiga remontava ao IV milénio. Uma destas
cidades era bastante rica em ossadas e vestígios de incêndios, pelo que muitos
arqueólogos acreditavam ter-se finalmente encontrado a perdida Tróia, sendo que
a lenda teria bastante material credível e real.
Mais informações em: http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0639
Imagem alusiva ao transporte do corpo de Heitor
Porém, a datação da(s) cidade(s) não permitiu quer afirmar,
quer excluir que Tróia havia sido encontrada. Actualmente, atribuiu-se a Tróia
homérica a uma das cidades encontradas, sendo designada por Tróia VII.
A arqueologia das "várias Tróias"
O grande interesse arqueológico por Tróia, prende-se,
obviamente, com o interesse suscitado pela obra de Homero. A existência das nove
cidades foi comprovada por estudos entre 1932-1938 pelo americano Carl W.
Blegen, académico da Universidade de Cincinnati. Nessas escavações, foram
identificados 46 estratos construtivos agrupados em nove grupos.
- Tróia I: sendo o estracto mais antigo, ocupa um pequeno
espaço fortificado com menos de 50 metros na parte mais larga, datada de 3 000 –
2 600 aC, na 1ª fase do Bronze Antigo.
- Tróia II, também de pequenas dimensões, é também ela fortificada, com cerca de 100
m de extensão máxima. Pensa-se que seria um castelo, simples, porém abastado. Terá
sido destruída pelo fogo cerca de 2300 aC, tendo nela sido descoberto um
tesouro contendo jóias e objectos preciosos que Schliemann, pensando tratar-se
da Tróia homérica, denominou Tesouro de Príamo. De facto, o descobridor oferece à sua esposa um bom conjunto de jóias, pensando tratar-se das jóias de Tróia, mais precisamente das jóias de Helena.
Fotografia de 1874, de Sophia Schliemann, utilizando as jóias encontradas no local de escavação
- Tróia III, IV e V terão sido pequenas cidades de importância
local, entre 2300 e 1900 aC, perto do final da época do Bronze Antigo;
- Surge, então, Tróia VII-a,
a verdadeira Tróia épica, alegadamente destruída pelos gregos
cerca de 1200 AC.
- Tróia VIII é da época
clássica da Grécia;
E, por fim, Tróia IX que
pertencerá ao período helenístico-romano. A partir do século IV dC, desaparecem
completamente os vestígios históricos da cidade.
Apesar de não existir grande consenso entre o que é lenda e
o que é História, diversos arqueólogos têm, ao longo dos séculos, encontrado
demasiadas coincidências entre a trágica história de Homero e as ruínas que vão
encontrando, sempre na esperança de um dia observarem um qualquer nome gravado,
quer seja Príamo, quer seja Páris, quer seja o de qualquer um herói daqueles
tempos já imemoriais.
Fontes:
Astier et
al., (2000), Memória do Mundo, Círculo de Leitores
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