Perdida na História

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domingo, 22 de julho de 2012

Tomé Pires e o Império do Meio



Após as fantásticas viagens de Marco Pólo pela Ásia, muitas foram as histórias contadas acerca das maravilhas do mundo desconhecido asiático. Desde criaturas extraordinárias, a paisagens luxuriantes, a exércitos assombrosos, tudo terá sido matéria-prima para povoar a imaginação dos ocidentais. Porém, foi Tomé Pires o primeiro ocidental a descrever de forma completa e documentada as terras compreendidas entre o Golfo de Bengala e o Japão. Foi também o primeiro embaixador europeu na Grande China. Tomé Pires era português.

      Até ao século XVI, a Europa tinha da China uma imagem polvilhada de mitos e crenças fabulosas, alimentadas por lendas sobre os reinos do Gran Cataio. A informação era muito escassa sobre estas terras absolutamente longínquas de onde se obtinham especiarias exóticas alvo de tanta cobiça por parte dos europeus. Se Marco Pólo não revelou grandes detalhes daquelas províncias, muitas das especulações deviam-se grandemente a boatos, baseados em relatos em segunda mão. Não havia nada concreto, até um grupo de portugueses levantarem o véu do temido e misterioso Império do Meio.

Tomé Pires

      A vida de Tomé não é muito conhecida até á sua partida para a Índia (1511). Com cerca de 20 anos é chamado para exercer a função de boticário pessoal do príncipe herdeiro, D.Afonso. Tal não terá causado muita celeuma, dado Tomé ser filho do boticário real. Porém, D. Afonso morre com 16 anos (1491), subindo D.Manuel ao trono, após a morte de D.João II.

      Cerca de vinte anos depois, já com perto de 40 anos de idade, Tomé é enviado para o Oriente como Feitor das Drogas. Com um salário de 30 mil reis anuais, três homens para o acompanhar e servir e direito a negociar 20 quintais de drogas. Levava, contudo, uma carta de D.Manuel para Afonso de Albuquerque, governador da Índia, recomendando Tomé para uma posição que lá vagasse. Deveria, então, estabelecer na Índia uma botica. O futuro, contudo, não passou por aí.



      Parte de Lisboa com a armada de D. Garcia de Noronha e, após uma estadia em Cochim, Tomé Pires instala-se em Malaca (actualmente um estado da Malásia), centro conhecido pela louca actividade comercial, onde se cruzavam experiências do Ocidente com as do Oriente.  
     Entre 1512 e 1515 Tomé visita algumas ilhas próximas do local, aproveitando sempre para estudar as plantas nativas, com possíveis efeitos e para efeitos medicinais.

Especiarias

Especiarias utilizadas na confeção de alimentos, como pimenta, gengibre, canela ou cravo eram na época quase todas utilizadas com finalidade terapêutica, algumas ainda seguindo receitas vindas da Antiguidade. O comércio destes produtos, que circulavam por terra em caravanas até ao Egipto e ao mar Negro, era o ponto de contacto entre os continentes conhecidos até então. Os famosos mercadores de Veneza e árabes serviam de intermediários, até o português Vasco da Gama ter finalmente descoberto o caminho marítimo para a Índia.



O pioneiro.

      Enquanto esteve em Malaca, Tomé Pires escreveu e compilou uma obra monumental: a “Suma Oriental”, um repositório de informações inéditas sobre regiões até então desconhecidas e fabuladas, fornecendo não só dados sobre botânica mas também sobre história, geografia, etnografia, rotas comerciais, moedas locais e até pesos e medidas utilizados naqueles locais. Segundo Jaime Cortesão, “ A Suma Oriental é a primeira descrição europeia da Malásia cujo pormenor não foi (…) ultrapassado durante mais de um ou dois séculos.”. Aliás, Tomé Pires foi o primeiro a referir várias vezes o nome de terras ainda hoje utilizados, como Japão e Singapura; tendo sido também o primeiro europeu a mencionar o arquipélago das Filipinas e a dar uma descrição exacta das Molucas. O capítulo referente a Malaca contém a mais antiga história daquela cidade. Além de tudo isto, Tomé Pires foi o primeiro embaixador europeu na China, país que pouco se sabia em toda a Europa.   




Ventos de mudança?

      No final de 1516, Tomé Pires era um homem abastado. Estava em Cochim, pronto para navegar de volta à Pátria. Mas não o fez. Chega nesse preciso ano uma armada à Índia, comandada por Fernão Peres de Andrade, com o intuito de estabelecer relações diplomáticas com as terras da China. Qual o melhor português para desempenhar tal missão, senão Tomé Pires?

      Os historiadores questionam a escolha de Tomé Pires para a tarefa, visto não ser nobre, como acontecia habitualmente. Contudo, era um homem de trato delicado, tendo já provado o seu valor na resolução de problemas administrativos ao serviço da Coroa no Oriente; esteve ligado à corte como boticário; adquiriu prestígio com a riqueza que granjeara; falava línguas e conhecia o Oriente; era um homem prudente e curioso e, acima de tudo, possuía uma característica apreciada pelos chineses: “só um idoso poderia ser considerado embaixador na China” e Tomé tinha já 50 anos.






A China

      Dos “chins” ouvira Tomé contar os mercadores de Malaca que “comem com dous paaos”, que “gabam muito nosso vinho, embebedamse grãde mente” e que “as molheres parecem castelhanas tem sayas de refugos e coses e sainhos mais compridos emrodilhados por gemtill maneira em cima da cabeça”. Surgia agora a oportunidade de conhecer estes tesouros, e o boticário não vacilou.

Estadia insólita

      Cristóvão Vieira, prisioneiro em Cantão em 1524, escreve uma carta e é através dela que se tem conhecimento da actuação e viagens de Tomé Pires na China.
     Zarpou rumo à costa norte de Samatra, subindo pelo mar da China até à entrada do rio Cantão. Seguindo o costume europeu da época, os portugueses fizeram-se anunciar e saudaram os anfitriães com grande estrondo de artilharia e com o hastear da bandeira Portuguesa. Contudo, tal comportamento foi sentido como ofensivo, tendo aí começado todo o calvário de Tomé Pires e de toda a missão. Só no final de Outubro Tomé Pires chega a Cantão, ficando alojado nas “casas mais nobres da cidade”. Porém, os seus anfitriões não cederam, e só um anos depois Tomé Pires consegue autorização para seguir viagem. Parte em 1520 para Nanquim onde, inesperadamente, o imperador Wu Tsung se recusa a recebê-lo, mandando-a seguir para Pequim.



O mistério resolve-se?

      Toda a viagem que prometia ser altamente promissora e diplomática, estava a revelar-se um verdadeiro imbróglio. Aparentemente, o rei muçulmano de Malaca teria escrito ao imperador chinês, denunciando a ferocidade dos portugueses, acusando-os de espionagem, chamando a atenção para a ameaça económica e militar que representavam.
     As erradas traduções dos textos, motivadas pela falta de preparação dos intérpretes, assim como a oferta, pouco deslumbrante, que os portugueses levavam, da parte do rei D. Manuel para o imperador da China, em nada beneficiaram a imagem dos lusitanos, que acabam por ter um acolhimento áspero por parte do Imperador.



     Três meses depois da chegada a Pequim, Wu Tsung morre. A embaixada é mandada voltar para Cantão, levando consigo os presentes do rei português. Deveriam permanecer encarcerados até os portugueses abandonarem Malaca.

Fim.

      Nos anos seguintes, os chineses derrotaram duas armadas enviadas para resgatar o embaixador Tomé Pires. A sua situação agravava-se a cada dia de cárcere, estando sempre algemado e privado de bens. Pouco depois foi ditada a sentença de morte e, em 1523 deu-se o massacre de 23 portugueses.
      Quanto ao destino de Tomé Pires, nada de sabe, permanecendo realmente um mistério até hoje. Uns referem ter sido morto com os seus companheiros em Cantão, em 1523; outros referem que terá sucumbido a doenças nas masmorras em 1524; outras fontes dizem ainda que terá passado os restantes anos de vida preso, exilado, impedido de sair do país. Fernão Mendes Pinto, que por lá terá andado trinta anos depois, diz na obra “Peregrinação” ter encontrado uma rapariga chinesa que se dizia cristã e filha de Tomé Pires, chamada Inês de Leiria. Teria casado por lá, deixado descendência e morrido vinte anos depois.
      
      Qual o real destino do primeiro europeu embaixador na China, ainda hoje permanece um mistério por resolver. O que parece ser facto, é a perseguição que os portugueses viveram na China durante trinta anos, após o massacre de 1523.

Viagens de portugueses no Oriente

     Aqui encontram-se algumas partes relativas às intrincadas e perigosas relações entre portugueses e chineses: http://fabiopestanaramos.blogspot.pt/2011/01/as-relacoes-internacionais-entre.html

Fontes
- Coutinho, R (2002) Missão Impossível, National Geographic, Setembro.

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