Nesta segunda parte, revelo o questionário que fiz em 2003 a uma pessoa natural de Angola, onde nos dá a conhecer a realidade africana, vista pelos olhos de alguém que nasceu lá e que, após o 25 de Abril, vem para a metrópole.
Nota: o nome daquele que se voluntariou a participar permanecerá incógnito, mencionando apenas a sua inicial.
1- Qual o seu país de origem?
A: Angola
2- Como era a situação da colónia portuguesa, em termos de educação, desenvolvimento, saúde, aquando da chegada dos portugueses continentais?
A: Estava tudo bem desenvolvido.
3- Qual foi o sentimento perante uma invasão de uma cultura, mentalidade, perante um povo diferente que pretendia estender as suas raízes naquele território?
A: A mentalidade africana ainda hoje continua a resistir no tempo. Por isso, nada mudou em relação à nova cultura metropolitana.
4- Concordava com a política do Estado Novo relativamente às colónias?
A: Nem sempre concordei com tudo, principalmente em relação aos negros africanos que até rebentar em 1961 a guerra não tinham direito a estudar.
5- De que modo via a população daquele território a presença dos portugueses continentais, isto é, se pensa que se chegou a temer por situações como por exemplo a ocupação por parte dos portugueses continentais de terras ou empregos que pertenciam aos locais?
A: Em princípio até rebentar a guerra em 1961 os pretos não tinham direito aos empregos públicos ao lado dos brancos, nem acesso escolar - racismo.
6- Como vê a recepção que foi feita aos portugueses que migravam para as províncias ultramarinas?
A: Algumas recepções foram boas, outras menos calorosas
7- De que modo considera a chegada dos portugueses migrantes alterou o dia-a-dia das populações locais?
A: A chegada de alguns portugueses que levavam conhecimentos em muito contribuiu para o desenvolvimento daquele país.
8-Qual a relação que os portugueses mantinham com o povo desse território?
A: Boa relação
9- Sentia que, de algum modo, havia um sentimento de superioridade por parte dos portugueses para com o povo local?
A: Aquando da chegada dos portugueses a Angola, alguns tinham sentimento de superioridade, mas com o desenrolar dos dias, esses (portugueses) quebravam esse sentimento para se identificarem com os africanos. Éramos um só povo.
10- O que pensa sobre os movimentos de guerrilha?
A: Acho que não foi a melhor solução, uma vez que foi incutida por alguns traidores, o desejo do poder, pois Angola é um país que tem muitos recursos naturais e isso interessava, não só a alguns africanos como também a muitos senhores poderosos.
11- Que atitude tinham os guerrilheiros em relação às populações locais?
A: Exploravam e roubavam os filhos para a guerra.
12- Que opinião tem sobre a acção militar portuguesa para tentar neutralizar os movimentos guerrilheiros?
A: A acção militar foi boa pois tentavam defender as populações locais indefesas.
13- Que atitude tinham os militares portugueses em relação às populações locais?
A: As tropas de Angola, boas, pois sempre tentaram estar ao lado das populações. As tropas que iam da metrópole não estavam minimamente interessadas em defender uma pátria que não era a deles -foram obrigados-.
14- Acha que se combatia em igualdade de situação, quer em termos de armamento, conhecimentos estratégicos e militares?
A: Não, pois a tropa portuguesa - angolana tinha conhecimentos estratégicos e militares muito melhores em relação ao território, etc.
15- Sentiu que a sua estadia e integridade pessoal ficaram ameaçadas?
A: Nunca me senti ameaçada, pois também nunca me meti em nada que se relacionasse com política. Após o 25 de Abril , sim, pelo terrorismo internacional.
16-Sentiu alguma mudança de comportamento tanto da parte dos portugueses civis, como da parte dos povos conterrâneos locais?
A: Após o 25 de Abril sim, razão pela qual, como mencionei, vim para Portugal.
17- Que opinião tem sobre o modo como os guerrilheiros actuaram sobre os portugueses civis?
A: Em 1961, quando rebentou a guerra foi desumano, não só sobre os portugueses como com os naturais de Angola.
18- Partiu para Portugal por livre vontade ou foi obrigado?
A: Nasci em Angola e fui obrigada a partir devido à atitude menos correcta do exército português, que repito, por obrigação foi defender essa terra que nada lhes dizia.
19- Como reagiu a tal ideia?
A: Não tive outro remédio. Não concordo com a guerra.
20- Com que sentimento partiu da colónia?
A: Com tristeza, pois fui quase obrigada a deixar a minha terra.
21-Alguma vez voltou à sua terra-natal?
A: Nunca mais voltei à minha terra-natal (Angola) porque se encontrava em guerra.
22-Como vê a situação que o seu país se encontrava antes e depois da Guerra Colonial?
A: Antes da guerra, numa situação estável; depois da guerra: o desastre total a todos os níveis.
23- Qual a recepção que encontrou em Portugal perante a sua situação de retornado?
A: Não tive razões de queixa.
24- Aquando da sua chegada, onde ficou alojado?
A: Em casa dos sogros.
25- Passado quanto tempo encontrou casa própria e emprego?
A: Após, mais ou menos, um ano.
26- Como foi a sua integração na sociedade portuguesa?
A: Muito boa
27- Que memória tem dos tempos vividos após o 25 de Abril?
A: Péssima
28- Hoje, passados alguns anos, que memórias e sentimentos tem em relação ao seu país de origem e às situação a que se viu obrigado a passar?
A: Passados anos, sinto imensa tristeza por ter deixado um país onde todos estavam bem e hoje devido à guerra é terra queimada.
Todos os testemunhos aqui presentes são verídicos, tendo o conteúdo das respostas sido rigorosamente transcrito para aqui. O facto de ter colocado aqui este testemunho, não significa que concorde com tudo o que foi referido.
Uma vez mais, quero agradecer a esta participação muito importante, sem a qual eu não teria acesso à opinião de alguém natural de uma ex-colónia portuguesa, que assitiu ao decorrer das operações militares no local e que, dadas as circunstâncias, se viu obrigado a abandonar a sua terra.
O meu obrigada,
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