Perdida na História

Perdida na História

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Las Casas

Fixado em Cuba a partir de 1511, o padre Bartolomeu Las Casas denuncia as injustiças que estão na base da da prosperidade espanhola no Novo Mundo: o desprezo radical pelos índios e a sua desavergonhada exploração. 

      Las Casas não é o primeiro europeu a vociferar contra a a exploração dos ameríndios por parte do conquistadores europeus. A sua personalidade e a sua experiência dão uma nova tonalidade ao caso e ao seu protesto. 
      Por incrível que possa parecer, Las Casas é filho de um companheiro de Cristóvão Colombo, tendo nascido em 1474 em Sevilha. Acompanha o seu pai numa segunda viagem do explorador às ilhas e volta depois a atravessar o Atlântico em 1502. Ingressado uns tempos antes na ordem dominicana, licenciado em Direito, ele acalenta o projecto de conduzir do outro lado do Atlântico uma dupla carreira: eclesiástica e administrativa, sonhando com grandes explorações e aventuras, adoptando facilmente o estilo de vida dos colonos.  





      Em 1510 é ordenado padre em São Domingo- a primeira ordenação a ter lugar para lá do Atlântico. Ironicamente, passa a ter uma visão totalmente diferente do assunto quando se começa a aperceber das verdadeiras realidades sociais e económicas daqueles locais. Tal revelação conduz Las Casas a uma enorme reflexão interior que irá modificar radicalmente o seu destino. Efectivamente, algumas fontes históricas referem que é possível que no início o próprio Las Casas tenha tido escravos nas suas propriedades. 

Política

      Cumpre o seu primeiro acto político contra si próprio. Ao ser um colono espanhol, Las Casas tem direito ao sistema de encomienda, ou repartimiento, que lhe coloca à disposição quer terra, quer escravos índios. Las Casas renuncia à terra e à servidão indígena. 

Alternativa à "encomienda"

      Residente em Cuba desde 1511, Las Casas lança-se ferozmente em pregações contra a exploração levada a cabo pelos seus compatriotas: consciente do declínio numérico da população americana submetida a um rigoroso trabalho forçado, exposta a violência, doenças e ao álcool, exortando os compatriotas a demonstrarem moderação relativamente aos índios. 
      A hostilidade que encontra fá-lo regressar a Espanha para aí tentar obter a confiança do soberano: chega à Europa pouco antes da morte de Fernando, o Católico. 





Pedido vergonhoso

      Este padre experiente conhece muito bem a realidade do terreno e exige soluções radicais. A principal dificuldade no Novo Mundo é a mão de obra. Efectivamente, Las Casas não tem dúvidas, deviam proteger os índios que, afinal, eram seres humanos, ou seja, poderiam ser evangelizados pois tinham alma. Assim, Las Casas dá a solução: tragam os negros de África e, baseando-se em estudos anatómicos e da cor da pele, refere que esses não são seres humanos, logo, não é pecado serem escravos. 
      O mais impressionante é que Las Casas admite mesmo que os povos africanos, dada a sua cor de pele, tipo de cabelo e dada a sua compleição física, sejam um "erro da Natureza", avançando com a hipótese dos negros serem o resultado do cruzamento entre um ser humano e um símio. 





      Ele sugere que se inventem novas regras de relacionamento e para fixar relações entre as populações europeias e nativas das Américas. 
      Las Casas consegue em 1520 autorização para fundar um novo tipo de colónia, na Costa de Cumaná, Norte da Venezuela. Porém, os índios sabem o que já passaram e escaldados pelo que já conhecem das realidades das zonas vizinhas, acolhem os novos colonos muito mal. Enfraquecida pelas guerras que as tribos índias têm também entre si, a experiência de Las Casas termina num impressionante banho de sangue.





As "Leyes nuevas"

      Afectado por este absoluto desastre, Las Casas afasta-se durante dez anos para São Domingo, onde escreve História Geral das Índias, obra de enorme notoriedade que faz aumentar em grande escala a sua autoridade. 
     A extensão das "Encomiendas" ao antigo Império Azteca leva-o, de novo, a intervir. Em 1533, na Nicarágua denuncia a  brutalidade espanhola. Quatro anos depois, tenta fazer de uma zona insubmissa (tierra de guerra), o Tezulutlán, a tierra de la Vera Paz: um modelo de evangelização pacífico. 





      Já em 1542 regressa a Espanha por imposição da sua Ordem,. Desta vez, a sua fama é tal que é facilmente escoltado. Em 1542, Carlos V promulga as Leyes Nuevas que retomam textos antigos, reforçando a protecção do índios: interdita a sua redução à escravatura e faz desaparecer a encomienda. Las Casas obtém, finalmente, o seu reconhecimento, tornando-se bispo de Chiapas, nos confins do México e Guatemala. 

Bispo controverso

       O seu sucesso é relativo. As autoridades locais mostram-lhe hostilidade pelo facto de na sua terra recusar os sacramentos àqueles que conservam escravos índios. Os locais onde ele não está pessoalmente, tudo é pior. No Peru, a legislaçao de Carlos V leva a uma enorme revolução dos Colonos. Carlos V nada faz em absoluto para pôr termo à encomienda e Las Casas, desaprovado pelos seus superiores é obrigado a abandonar o bispado. 

      Regressa a Espanha em 1547 e não renuncia à luta. Mantém uma viva polémica com o doutor Sepúlveda. Este, apoiando-se nos estudos de Aristóteles, defende que existem seres vivos, com aparência de humanos, mas que não o são, visto não terem alma. Las Casas, pelo contrário, afirma veemente que os índios são Homens de corpo inteiro e que maltratá-los é, além de contrário à missão evangélica, um meio de privar o cristianismos de uma regeneração através da conversão sincera.  Já na questão dos negros, Las Casas concordava com Supúlveda. 

      Las Casas acaba por publicar, ainda que clandestinamente, a Brevisima Relacion de la destruccíon de las Índias, um texto que provoca um enorme escândalo e que conhece uma ampla difusão. O velho defensor dos índios morre em 1566, aos 92 anos, lamentando e culpabilizando-se por não ter conseguido fazer ainda mais por aquele povo. 





       Las Casas teria sido um exemplo mundial, à semelhança do Português Padre António Vieira, não tivesse Las Casas estado tão errado quanto aos africanos. Efectivamente, dada a sua convicção na utilidade dos africanos relativamente aos índios, muitas nações europeias começaram a fazer a substituição. Os negros mostraram vantagens relativamente aos índios: maior submissão, maior capacidade de trabalho, maior robustez e, acima de tudo, menor número de indivíduos a lutar pela sua causa.   




Fontes:
http://www.infopedia.pt/$bartolomeu-de-las-casas
Astier et al, (2000), Memória do Mundo, Cículo de Leitores

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Chegada de estranhos - parte II

Nesta segunda parte, revelo o questionário que fiz em 2003 a uma pessoa natural de Angola, onde nos dá a conhecer a realidade africana, vista pelos olhos de alguém que nasceu lá e que, após o 25 de Abril, vem para a metrópole.

Nota: o nome daquele que se voluntariou a participar permanecerá incógnito, mencionando apenas a sua inicial.

1- Qual o seu país de origem?
A: Angola

2- Como era a situação da colónia portuguesa, em termos de educação, desenvolvimento, saúde, aquando da chegada dos portugueses continentais?
A: Estava tudo bem desenvolvido.





3- Qual foi o sentimento perante uma invasão de uma cultura, mentalidade, perante um povo diferente que pretendia estender as suas raízes naquele território?
A: A mentalidade africana ainda hoje continua a resistir no tempo. Por isso, nada mudou em relação à nova cultura metropolitana.

4- Concordava com a política do Estado Novo relativamente às colónias?
A: Nem sempre concordei com tudo, principalmente em relação aos negros africanos que até rebentar em 1961 a guerra não tinham direito a estudar.





5- De que modo via a população daquele território a presença dos portugueses continentais, isto é, se pensa que se chegou a temer por situações como por exemplo a ocupação por parte dos portugueses continentais de terras ou empregos que pertenciam aos locais?
A: Em princípio até rebentar a guerra em 1961 os pretos não tinham direito aos empregos públicos ao lado dos brancos, nem acesso escolar - racismo.

6- Como vê a recepção que foi feita aos portugueses que migravam para as províncias ultramarinas?
A: Algumas recepções foram boas, outras menos calorosas

 
7- De que modo considera a chegada dos portugueses migrantes alterou o dia-a-dia das populações locais?
A: A chegada de alguns portugueses que levavam conhecimentos em muito contribuiu para o desenvolvimento daquele país.

8-Qual a relação que os portugueses mantinham com o povo desse território?
A: Boa relação




9- Sentia que, de algum modo, havia um sentimento de superioridade por parte dos portugueses para com o povo local?
A: Aquando da chegada dos portugueses a Angola, alguns tinham sentimento de superioridade, mas com o desenrolar dos dias, esses (portugueses) quebravam esse sentimento para se identificarem com os africanos. Éramos um só povo.




10- O que pensa sobre os movimentos de guerrilha?
A: Acho que não foi a melhor solução, uma vez que foi incutida por alguns traidores, o desejo do poder, pois Angola é um país que tem muitos recursos naturais e isso interessava, não só a alguns africanos como também a muitos senhores poderosos.

11- Que atitude tinham os guerrilheiros em relação às populações locais?
A: Exploravam e roubavam os filhos para a guerra.



12- Que opinião tem sobre a acção militar portuguesa para tentar neutralizar os movimentos guerrilheiros?
A: A acção militar foi boa pois tentavam defender as populações locais indefesas.

13- Que atitude tinham os militares portugueses em relação às populações locais?
A: As tropas de Angola, boas, pois sempre tentaram estar ao lado das populações. As tropas que iam da metrópole não estavam minimamente interessadas em defender uma pátria que não era a deles -foram obrigados-.




14- Acha que se combatia em igualdade de situação, quer em termos de armamento, conhecimentos estratégicos e militares?
A: Não, pois a tropa portuguesa - angolana tinha conhecimentos estratégicos e militares muito melhores em relação ao território, etc.

15- Sentiu que a sua estadia e integridade pessoal ficaram ameaçadas?
A: Nunca me senti ameaçada, pois também nunca me meti em nada que se relacionasse com política. Após o 25 de Abril , sim, pelo terrorismo internacional.



16-Sentiu alguma mudança de comportamento tanto da parte dos portugueses civis, como da parte dos povos conterrâneos locais?
A:  Após o 25 de Abril sim, razão pela qual, como mencionei, vim para Portugal.

17- Que opinião tem sobre o modo como os guerrilheiros actuaram sobre os portugueses civis?
A: Em 1961, quando rebentou a guerra foi desumano, não só sobre os portugueses como com os naturais de Angola.




18- Partiu para Portugal por livre vontade ou foi obrigado?
A: Nasci em Angola e fui obrigada a partir devido à atitude menos correcta do exército português, que repito, por obrigação foi defender essa terra que nada lhes dizia.

19- Como reagiu a tal ideia?
A: Não tive outro remédio. Não concordo com a guerra.




20- Com que sentimento partiu da colónia?
A: Com tristeza, pois fui quase obrigada a deixar a minha terra.

21-Alguma vez voltou à sua terra-natal?
A: Nunca mais voltei à minha terra-natal (Angola) porque se encontrava em guerra.

22-Como vê a situação que o seu país se encontrava antes e depois da Guerra Colonial?
A: Antes da guerra, numa situação estável; depois da guerra: o desastre total a todos os níveis.




23- Qual a recepção que encontrou em Portugal perante a sua situação de retornado?
A: Não tive razões de queixa.

24- Aquando da sua chegada, onde ficou alojado?
A: Em casa dos sogros.

25- Passado quanto tempo encontrou casa própria e emprego?
A: Após, mais ou menos, um ano.

26- Como foi a sua integração na sociedade portuguesa?
A: Muito boa

27- Que memória tem dos tempos vividos após o 25 de Abril?
A: Péssima

28- Hoje, passados alguns anos, que memórias e sentimentos tem em relação ao seu país de origem e às situação a que se viu obrigado a passar?
A: Passados anos, sinto imensa tristeza por ter deixado um país onde todos estavam bem e hoje devido à guerra é terra queimada.







Todos os testemunhos aqui presentes são verídicos, tendo o conteúdo das respostas sido rigorosamente transcrito para aqui. O facto de ter colocado aqui este testemunho, não significa que concorde com tudo o que foi referido.



Uma vez mais, quero agradecer a esta participação muito importante, sem a qual eu não teria acesso à opinião de alguém natural de uma ex-colónia portuguesa, que assitiu ao decorrer das operações militares no local e que, dadas as circunstâncias, se viu obrigado a abandonar a sua terra.



O meu obrigada,

Ler também:

segunda-feira, 23 de abril de 2012

De volta à Pátria - parte I

    No ano de 2003 elaborei um questionário que visava um maior conhecimento acerca da vivência dos portugueses que foram para as colónias lusas, assim como um outro, com o objectivo de perceber até que ponto a presença dos portugueses que chegaram às colónias veio alterar o dia-a-dia das populações locais. A dias de celebrar o dia em que Portugal se torna independente de uma ditadura de longas décadas, aqui ficam 6 testemunhos de pessoas que viveram de perto a Guerra Colonial e o seu regresso a Portugal Continental.

Nota: os nomes daqueles que se voluntariaram a participar permanecerão incógnitos, mencionando apenas as suas iniciais

Questionário I

1: Em que colónia esteve presente?
H: Angola
J: Angola
V: Macau e Moçambique
J: Guiné Bissau
MG: S.Tomé, Macau e Moçambique

2: Em que ano partiu para a(s) colónia(s)? Que idade tinha?
H: 1962, 13 anos
J:1973, 17 anos
V:1954, 25 anos
J: 1974, 23 anos
MG: 1951, 13 anos

3: Que motivo o levou a partir?
H: Conhecer novas terras.
J: Por um motivo pessoal e obrigações militares
V: Parti em comissão militar voluntária
J: Militar
MG: Parti a acompanhar a família.




4: Concordava com a política do Estado Novo em relação às Colónias?
H: Em 1962 sim, era uma política de franco desenvolvimento
J: Sim. Naqueles anos as relações eram boas.
V: No geral, concordava.
J: Não.
MG: Era muito jovem para fazer uma avaliação política (caso de Macau e STomé). Em Moçambique de uma maneira geral sim.



5: Com que impressão ficou quando chegou ao territótrio colonial?
H: Boa, melhor que em Portugal
J: Óptimas impressões, quer pela colónia, quer pelo clima, quer pela política que lá se vivia na altura.
V: Quanto a Macau, que o território pouco ou nada tinha de português a não ser a administração e os serviços públicos - tanto civis como militares. Quanto a Moçambique foi diferente pois já se encontravam lá instaladas milhares de famílias portuguesas.
J: Pouco desenvolvida se comparada com a Europa, mas se comparada com África era muito desenvolvida tanto ao nível do comércio, vias de comunicação, habitação, saúde, etc.
MG: Em Macau fez-me muita confusão pois não se ouvia falar português. O português era falado em casa, nas repartições públicas, nas escolas portuguesas e no liceu. Quando cheguei a Moçambique foi uma alegria, toda a gente a falar português.

 Nova Lisboa, Angola

6: Como foi a recepção?
H: Óptima, quer de brancos, quer de negros, onde me assimilei muito rapidamente. Em Angola havia Humanismo de que tanto se fala. Exploração era é em Portugal Continental
J: Foi óptima pois também tinha a vantagem de lá ter família, assim como os portugueses que lá residiam, não discriminando a maioria dos angolanos.
V: Em ambas as colónias, a recepção foi boa.
J: Boa, sem problemas.
MG: Nos três territórios foi boa.

7: Quanto tempo demorou (aproximadamente) a encontrar habitação e emprego?
H: Imediato, havia emprego para todos.
J: Após estadia em casa de familiares, talvez três semanas.
V: Em Moçambique, onde passei á disponibilidade demorei cerca de 6 meses a encontrar emprego, que incluia casa.
J: Nenhum.
MG: Em STomé e Macau estudava; em Moçambique estudei até contrair matrimónio.

8: Qual a relação que os portugueses (vindos de Portugal) tinham com o(s) povo(s) desse(s) território(s)?
H: Óptima, e a prová-lo estão os imensos casamentos com os naturais e perfeita integração.
J: Como em todos os países a onde se encontram portugueses diria que 50% bem, outros 50% sentiam-se inferiores.
V: As relações que os portugueses mantinham com os povos do território, excepto alguns casos de racismo, era boa.
J: Boa.
MG: No geral era boa.

9: Sentia que, de algum modo, houvesse um sentimento de superioridade por parte dos portugueses para com os povos desse território?
H: Com excepção do Norte, não.
J: Sim, houve tempos em que os portugueses exploraram os africanos e julgaram que a colónia já era Portuguesa e também a fim de servir alguns fins políticos.
V: De modo algum. Bastava que possuíssem um nível de educação e instrução adequados para serem aceites pelas famílias portuguesas.
J: De alguma superioridade, eram os detentores do comércio. Alguns arrogantes.
MG: Em alguns portugueses notei isso, mesmo que esses povos tivessem já um nível de educação e instrução, principalmente nas pastelarias e restaurantes de luxo.



10: Em termos de desenvolvimento, como se encontrava esse território?
H: Em franco desenvolvimento, com cidades amplas, limpas e modernas
J: Bastante desenvolvidos razão porque eram administrados pela maioria portuguesa.
V: Moçambique era um território que vivia da agricultura e turismo. Não tinha, e continua a não ter, riquezas naturais mas era o 1º produtor mundial de caju e grandes produtos de algodão, sisal, chá, entre outros.
J: Pouco desenvolvido, à excepção da capital.
MG: Quanto aos dois primeiros não me posso manifestar pois era muito jovem. Em Moçambique era um território que viva da agricultura, comércio, prestação de serviços e turismo. Era o 1º produtor mundial de castanha de caju e algodão. Tinha portos bem apetrechados e óptimas linhas de caminhos de ferro que transportavam mercadorias dos cais para os territórios vizinhos.



11: O que pensa dos movimentos de guerrilha nas colónias portuguesas?
H: Terrorismo movido por EUA (CIA) e URSS (KGB) com fundamentos políticos e destrutivos como está hoje demonstrado em toda a África pela política de terra queimada.
J: Na minha opinião, só serviram para distabilizar o país.
V: Foram o produto das ideias comunistas, tanto em voga na altura
J: Traduziam o descontentamento dos naturais em relação a alguma arrogância de alguns comerciantes exploradores que só pretendiam criar alguma riqueza pessoal e voltar para Portugal continental.
MG: Quiseram copiar o exemplo dos outros vizinhos (Congo) com ideias comunistas muito mal aplicadas no terreno.

12: No caso de ter sido militar nesse território, que ideia tem sobre o motivo que o levou a combater nesse local?
H: Defesa da Pátria Portuguesa.
J: Na lógica só serviu para interesses dos governos além de uma melhor organização nas colónias.
V: Em Moçambique não fui combatente.
J: Tentar manter os interesses portugueses em África em colaboração com os naturais.
MG: ----------



 13:No caso de não ter sido militar, o que pensa sobre a acção militar portuguesa nas províncias ultramarinhas?
H: ------
J: ------
V: A acção militar portuguesa em Moçambique foi tão boa que a situação estava completamente sob controlo.
J: -------
MG: A acção militar não foi má, pois no exército havia médicos, enfermeiros, professores, mecânicos etc etc que na região onde estavam aquartelados colaboravam com os nativos, ajudando-os nos seus problemas diários.

14: Acha que se combatia em igualdade de situação, isto é, em termos de armamento, conhecimentos estratégicos e militares? Porquê?
H: Nós, portugueses éramos a tropa mais bem treinada e conseguimos combater o terrorismo no seu covil e vencer. Com um mínimo de baixas, basta dizer que em 12 anos tivemos 30 mil baixascom 80% de acidentados, na maior parte por descuidos pessoais.
J: Com respeito à situação de igualdade os portugueses tinham melhor armamento assim como superioridade em termos de técnica de Guerra e superior formação.
V: Não. As forças portuguesas estavam muito melhor apetrechadas tanto em termos de armamento como em termos de conhecimentos estratégicos e militares. A guerrilha tinha, porém, um melhor conhecimento das terras e boa adaptação à vida no mato.
J: Não. Fraca adaptação ao clima, ao terreno, alimentação e água por parte dos militares portugueses. Bom armamento que os movimentos de libertação possuíam e guerra de guerrilha que praticavam.
MG: Desconheço.




15: Com que sentimento os portugueses não militares ficaram aquando do conhecimento que haviam tropas portuguesas a combater nesse território?
H: Sentimento de quase normalidade, pois o fenómeno quase não se sentiu em mais de 75% do território.
J: Eu próprio em particular não via a tropa como combatentes mas sim como uma formação policial para tentar uma melhor relação entre Portugueses e Africanos assim como qualquer estrangeiro.
V: Os portugueses que não eam militares sentiam-se protegidos pelas tropas, pois nada de anormal se verificava nas principais cidades.
J: Concordância e oposição. Para uns os territórios ultramarinos tinham de ser defendidos, mas para outros que viam portugueses a morrer, devíamos negociar e entregar esses territórios.
MG: Os portugueses sentiam segurança. Nas cidades não se verificavam atentados, bastava a presença deles.



16: Sentiu que a sua estadia e integridade pessoal ficaram ameaçadas? Justifique.
H: Não, pelo que já justifiquei na pergunta anterior.
J: Nunca me senti ameaçado excepto quando as colónias foram entregues motivadas por uma fuga muito apressada por parte dos portugueses.
V: Apenas após o 25 de Abril senti a minha segurança ameaçada, em virtude da bagunçada que se seguiu com as tropas só a pensarem em voltar para casa e a não quererem saber de mais nada.
J: Sim, aquando dos bombardeamentos a que estive sujeito.
MG: Não senti nada. Vim para Portugal em Junho de 1974. Já tinha as férias marcadas desde Janeiro desse ano.


17: Sentiu alguma mudança de comportamento, tanto da parte dos portugueses como da parte dos residentes locais?
H: Não.
J: Na altura da chegada ao Ultramar a convivência era de óptimas relações excepto quando foi a independência de Angola.
V: Sim. Os portugueses começaram a ter medo e os povos do território deslumbrados com a liberdade começaram a ter atitudes e exigências anormais.
J: Sim. Aquanda da saída total das tropas portuguesas da Guiné.
MG: Como respondi na pergunta anterior, não voltei a Moçambique.

18: Partiu para Portugal por vontade própria ou foi obrigado a abandonar aquele território?
H: Fui obrigado e desarmado pelo exército português a mando da URSS.
J: Um pouco de cada porque na altura da independência já nada havia a fazer em Angola.
V: Parti por vontade própria.
J: Terminei a minha comissão de serviço com a entrega da Guiné a 1 de Outubro de 1974.
MG: Vim por vontade própria.



19: Como reagiu à ideia?
H: Como é de calcular, mal.
J: Muito mal.
V: Os 17 anos de vivência em Moçambique levaram-me a reagir assim, pois antevi que o futuro dos meus filhos e os seus estudos não teriam qualquer hipótese de viabilidade.
J: Com tranquilidade e alguma nostalgia.
MG: Com muita mágoa, pois lá estudei, casei, nasceram os meus dois filhos. Quando estudava tinha colegas africanos, indianos, timorenses, tornamo-nos amigos e perdi o contacto com quase todos.

20: Com que sentimento partiu daquele território?
H: Com raiva contra os vendilhões de Pátrias.
J: Com sentimento de mágoa porque gostava daquele país.
V: Parti com tristeza e com pena da população, pois antevi que a "descolonização exemplar" não seria nada boa para ela. E assim sucedeu. De país próspero passou em pouco tempo a ser o "país mais pobre do mundo".
J: --------
MG: Com muita tristeza e pena da população pelo que iriam passar e sofrer.

21: Que patrimóno deixou para trás?
H: Todos os meus bens ficaram saqueados pelas tropas portuguesas em Mocamedes, no porto de mar, onde se encontravam despachadas.
J: Todos os haveres.
V: Não deixei nada para trás, pois consegui vender tudo o que não trouxe para Portugal.
J: Nenhum.
MG: Não deixei nada para trás: o que não trouxe, vendi.



22: Como viajou para Portugal?
H: De avião e à minha custa
J: De avião.
V: Viajei de avião.
J: Barco - navio Niassa.
MG: Vim de avião.

23: Em que altura chegou a Portugal?
H: Dezembro de 1975.
J: Depois do 25 de Abril
V: Após o 25 de Abril.
J: Após o 25 de Abril.
MG: Após o 25 de Abril.

24: Qual a recepção que encontrou em Portugal, perante a sua situação de retornado?
H: Má, com critérios diferentes áqueles que hoje efectivamente exploram o povo africano.
J: Nunca me considerei retornado unica e simplesmente imigrante pois nunca recebi qualquer ajuda.
V: A recepção em Portugal, por parte da família foi boa. Porém, para a população em geral éramos considerados como os "exploradores dos pretos" que vinham agora tirar os empregos de cá.
J: Saí do exército, só estive 6 meses no Ultramar.
MG: Por parte da familia foi boa. Quando fui trabalhar ouvia por vezes alusões muito desagradáveis referentes aos retornados.



25: Aquando da sua chegada, onde ficou alojado?
H: Em casa de familiares.
J: Em casa paterna.
V: Em casa de familiares.
J: Em casa dos pais.
MG: Em casa de família.



26: Passado quanto tempo encontrou habitação própria e emprego?
H: Um ano após.
J: Continuo em casa paterna e empregado.
V: Casa, arranjei ao fim de 6 meses e emprego ao fim de um ano e meio.
J: Concluí a licenciatura.
MG: Encntrei casa ao fim de 6 meses. Emprego ao fim de dois anos.

27: Que memória tem sobre os tempos vividos após o 25 de Abril, situação social, política...
H: Memórias de vergonha de ser português.
J: --------
V: A situação a princípio foi de caos, mas à medida que a situação política foi estabilizando e que a sociedade foi começando a absorver a vaga de retornados que, aliás, não se revelaram exploradores mas sim gente de trabalho e com iniciativa, tudo voltou à normalidade.
J: Uma grande confusão.
MG: Memórias de anarquia... desde o 28 de Setembro, o juramento de Bandeira de uns mancebos com o cabelo comprido e braço no ar, de um militar de alta patente sempre a falar e a não dizer nada e a pedir para se trabalhar no 5 de Outubro e esse dinheiro seria para...nunca soube. A população a criticar os retornados por virem para cá tirar o emprego aos de cá.



28: Hoje, passados já alguns anos, que memória e que sentimentos tem relativamente ao território colonial onde se encontrou e às situações por que se viu obrigado a passar?
H: Muita saudade dos povos e de tristeza pela situação em que colocaram África e tudo graças aos nossos miseráveis políticos.
J: Considero a colónia um país formidável mas ainda com bastante instabilidade criada com políticas diferentes embora seja um país no qual eu gostaria de viver.
V: Guardo memórias de uma vida diferente, em grandes espaços e como não havia desemprego a convivência social era muito especial. Os sentimentos mais profundos são de tristeza, pena e saudade.
J: Entrega vergonhosa, sem negociação aceitável.
MG: O convívio entre todos, os grandes espaços, as largas avenidas, as árvores exóticasque davam sombra às ruas, as praias e o pôr do sol. Sinto saudades, muita tristeza quando vejo na TV locais onde vivi e estão pouco cuidados.





Todos os testemunhos aqui presentes são verídicos, tendo o conteúdo das respostas sido rigorosamente transcrito para aqui. O facto de ter colocado aqui estes testemunhos, não significa que concorde com tudo o que foi referido; "------" siginifica que a pessoa não respondeu à questão.


 Confesso que muitas respostas me surpreenderam, quer em 2003, quer agora que as voltei a reler.  Se, por um lado, se nota bastante revolta nalguns, está também presente um sentimento de perda e saudade.Mais uma vez, agradeço imenso a colaboração de todas as pessoas que me ajudaram na altura a elaborar um excelente trabalho no âmbito escolar, mas que acima de tudo me permitiram registar testemunhos reais e vivos de quem realmente viveu a Guerra Colonial.

Obrigadaontes das imagens:
http://25abrilalfandega.blogspot.pt/2010/06/osretornados.html
http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/1982/historias-felizes-de-quotretornadosquot
http://retornadosdafrica.blogspot.pt/2008/11/os-retornados-do-ex-ultramar-na.html
http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=socguerr