Perdida na História

Perdida na História

sábado, 14 de outubro de 2017

Conhecer a "face" do Passado

Há aproximadamente dois anos, foi-nos enviado ao laboratório duas amostras procedentes de um esqueleto encontrado numa cova nas Asturias (Espanha). A história prometia ser interessante, mas o enfoque final foi efectivamente surpreendente. 


     No ano 2015 foi-nos enviado ao nosso laboratório dois dentes procedentes de um esqueleto, encontrado numa gruta de elevada altitude em Ubiñas, Astúrias (Espanha). Segundo os dados fornecidos pela equipa de arqueólogos e antropólogos, o individuo deveria ser jovem (entre 16 e 18 anos), do sexo masculino e não apresentava nenhuma evidência de mal-formação ou má-nutrição. Um dado curioso foi também o excelente estado de conservação do esqueleto, dado a sua antiguidade (3480+/-30 BC).



Astúrias, Espanha

Cueva de los Cinchos, Ubiña, Asturias, Espanha


      Dada a localização do local do achado, a equipa de antropólogos apenas avança a hipótese de que o jovem ali tivesse caído por acidente, possivelmente caçando, já que no local há várias evidências da antiga presença do lince ibérico. 



Localização do esqueleto na gruta onde foi encontrado. 
Fonte:Belén López.

     Inicialmente, o objectivo do estudo era entender qual a sua origem biogeográfica materna, a través do estudo do DNA mitocondrial. Este tipo de marcador genético permite identificar a origem do antepassado materno do individuo, podendo mesmo remontar a um antepassado neolítico, dado o DNA mitocondrial ser um marcador de linhagem. Ou seja, é herdado pela vía materna (as mães transmitem a toda a sua descendência), sendo transmitido sem alterações significativas ao longo de dezenas de gerações. Desta forma, o estudo deste marcador genético permite identificar a linhagem materna de qualquer indivíduo, permitindo também consultar bases de dados e ver onde essa linhagem é mais frequente. Ou seja, um individuo nascido em Inglaterra poderá ter uma linhagem mitocondrial (ou seja, materna) frequente na Itália, o que quer dizer que em algum momento da sua história, um dos seus antepassados poderia ter tido origem na Itália. Contudo, é certo que estes dados deverão ser interpretados com suma precaução, já que as bases de dados a que temos acesso são actuais, podendo não revelar toda a história "antepassada" dos indivíduos. 
     Por outro lado, um outro marcador é o estudo do Cromossoma Y, que revelaria a linha paterna do individuo. No entanto, dado a localização deste cromossoma ser no núcleo, em amostras muito antigas o mais frequente é já não existir qualquer hipótese de recuperar a informação nuclear. No que diz respeito à informação mitocondrial, o número de mitocondrias é de tal forma elevado na célula, que existe uma maior probabilidade de recuperar a sua informação genética após longos periodos de tempo, como é o caso desta amostra.  



Esqueleto do individuo estudado, Cueva de Cinchos, Asturias, Espanha
Fonte: Belén López

    Regressando ao individuo estudado, a sua linhagem materna revelou-se tipicamente europeia, pertencendo ao haplogrupo H. 

   Dado o bom estado de preservação das amostras (dois dentes molares), o próximo passo foi francamente mais arrojado: conhecer o fenotipo do individuo, ou seja, tentar descobrir com marcadores genéticos qual a cor de cabelo, de pele e de olhos mais prováveis para o individuo estudado. 

   Diga-se desde já que o estudo foi absolutamente pioneiro, já que foi a primeira vez que se utilizaram marcadores fenotipicos forenses numa amostra tão antiga, com aproximadamente 6 000 anos de antiguidade. 

   Desta forma, a través de uma colaboração com a Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), foi possível realizar a genotipagam, assim como cálculo probabilístico, sendo finalmente possível determinar as características do jovem estudado:

  • Origem Biogeográfica: Europeia
  • Cor de cabelo: com maior probabilidade, loiro claro
  • Cor de olhos: com maior probabilidade, castanho
  • Cor de pele: com maior probabilidade, branco


    Os dados obtidos foram absolutamente extraordinários, já que a actual população Asturiana não exibe frequentemente estas características, ou seja, escolhendo um asturiano ao acaso, estas não seriam as características visíveis esperadas. Este facto parece levantar algumas questões interessantes. Por exemplo, que sabemos nós afinal acerca dos movimentos populacionais? Dadas as suas características físicas, teria este individuo vindo de outro local europeu? Por outro lado, leva-nos também a pensar acerca das lendas e histórias acerca dos nossos antepassados, assim como, a questionar o aspecto físico típico que colocam tanto em revistas, como jornais, ou livros quando se pretende falar dos nossos antepassados. Seriam os nossos antepassados esses humanos pouco atractivos que tanto nos fazem passar a ideia?




Aqui vos deixo o poster que levamos ao congresso da International Society for Forensic Genetics (http://www.isfg2017.org/),


 assim como o link para a respectiva publicação: 

http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1875176817300501


Mais informação: 
http://www.lne.es/sociedad-cultura/2014/01/10/estudios-situan-torno-1800-cristo/1525657.html


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