Torna-se mais urgente do que nunca, em meados do séc. XVI, convocar um concílio para responder aos problemas (e provocações) colocados pelos movimentos reformadores na Europa. As ideias de Lutero triunfam grandemente no Império Germano, a reforma de Zúnglio impõe-se na Suíça, a de Calvino em França e até Inglaterra rompe com o papado. A Igreja está em ruptura?
"Toda a gente grita: concílio! concílio! concílio!"
formula laconicamente o legado do papa, Aleandro.
Concílio precisa-se.
Desde o inicio da Reforma e face às afirmações dos protestantes que, no parecer de certos católicos, se torna indispensável redefinir claramente os dogmas da Igreja de Roma, assim como as regras da disciplina eclesiástica.
Obstáculos doutrinários e políticos retardam, porém, a reunião do concílio: o humanista Erasmo, conselheiro de Carlos V, quer acreditar na reconciliação com os protestantes. A definição unilateral dos dogmas cristãos poderia conduzir a algum tipo de heresia. Por outro lado, as hostilidades entre Carlos V e a França (guerras de Itália) tornam materialmente difícil a reunião de uma assembleia que represente a Europa e que, aliás, se manteria na península, não muito longe de Roma.
Por seu lado, o próprio papa teme a realização de um concílio onde a voz dos altos dignitários da Igreja se sobrepusesse à sua própria voz e autoridade única. Contudo, eleito em 1534, o papa Paulo III Farnésio é um feroz partidário da abertura de um concílio.
Paulo III (com Inácio de Loyola)
Em resumo, os entraves iniciais a este concílio, terão sido,então, o facto da Cúria romana temer perder privilégios, o papa receava o Conciliarismo (teoria pela qual o Concílio está acima do papa), a França queria abater a hegemonia européia do Império Romano Germânico e os príncipes protestantes não pretendiam devolver os bens conquistados.
Trento
Depois de duas tentativas falhadas, uma em Mântua e outra em Ratisbona, a escolha de Trento, cidade italiana em território imperial, permite contentar simultaneamente franceses, italianos e alemães.
A 13 de Dezembro de 1545 tem lugar em Trento a cerimónia de abertura da (muitíssimo) esperada assembleia.
O mais longo
Muito dificil de organizar, este concílio terá sido o mais longo da história da Igreja: durante 18 longos anos , sob 4 papas sucessivos e 25 sessões, os sacerdotes conciliares legislaram sobre a doutrina catolica.
Os inícios foram enganosos: à sessão de abertura, apenas 4 cardeais, 25 bispos e 5 superiores de ordens religiosas se encontram na Catedral de San Vigilius de Trento. A presidência é confiada aos três legados pontífices, Pole, Cervini e Del Monte.
Catedral de San Vigilius de Trento
Apesar da vontade de Carlos V, os protestantes estão ausentes desta reunião que, ironicamente, é definida como "ecuménica e geral".
Carlos V´
Até 1549, os sacerdotes deliberaram acerca das Escrituras (a versão latina da Vulgata é reconhecida como canónica), sobre os sacramentos e o problema da justificação do Homem pela graça ou pelas obras, ponto essencial de discórdia entre católicos e protestantes.
Em 1547, quando Carlos Vse aproxima com as suas tropas de Trento, os membros do concílios aproveitam o pretexto de uma epidemia e movem-se para Bolonha. Em Setembro de 1549, Paulo III dois meses antes de morrer, autoriza que os sacerdotes se retirem.
Uma segunda fase tem início em 1551, depois da eleição do cardeal Del Monte, que se torna papa sob o nome Júlio III. Tal como em 1545, os efectivos são escassos: 65 conciliares, na sua grande maioria espanhóis; o rei de França, Henrique II, terá proibido aos seus bispos de irem a Trento...
Desta vez, as discussões centram-se na disciplina eclesiástica, sacramentos, assim como na doutrina da transubstanciação ou presença do corpo e do sangue de Cristo no pão e vinho da Eucaristia, outro grande foco de discórdia com os protestantes.
Face ao recrudescimento das hostilidades na Europa, os sacerdotes ficam temerosos e em Abril de 1552, o concílio faz nova pausa.
Nos anos seguintes, a chegada ao pontificado do cardeal Carafa (Paulo IV, 1555-1559) marca uma interrupção nas tentativas de conciliação com o protestantes. Em 1555, a paz de Augsburgo instaura uma trégua entre as duas religiões do Estado do Império Germânico. A situação estabiliza: a existência de duas correntes cristãs irreconciliáveis torna-se evidente.
A obra do Concílio
O quarto papa do concílio, Pio IV, eleito em 1559, fixa a sessão de abertura da última fase do concílio para Janeiro de 1562. Neste momento, os italianos estão em franca maioria, entre os 113 participantes. Já não há alemães e os prelados franceses só chegarão em Dezembro desse ano.
Pio IV (Giovanni Angelo de Medici )
As últimas sessões definem o sacramento da ordenação eclesiástica, decidem a criação de seminários para formar futuros sacerdotes, abordam a questão da organização do culto dos santos e da veneração das imagens.
A 4 de Dezembro de 1563 é proclamado o encerramento do Concílio de Trento: 236 padres conciliares assinam as Actas, confirmadas pelo papa em 1564.
Reunido sob condições dificeis, o concílio cumpriu uma obra conciderável:
- Reforma da carreira eclesiástica, com a formação de seminários de sacerdotes ordenados a partir dos 25 anos, não podendo acumular cargos
- Definiu o pecado original e declarou, como texto bíblico autêntico, a tradução de São Jerónimo, denominada "Vulgata". O Concílio declarou que a tradução latina da Bíblia, a Vulgata, era suficiente para qualquer discussão dogmática e só a Igreja tem o direito de interpretar as Escrituras
- Manteve os sete sacramentos, o celibato clerical e a indissolubilidade do matrimónio;
- Afirmação dos dogmas católicos da salvação pela graça e obras, da transubstanciação, definição das doutrinas relativas ao culto da Virgem, outros santos e das relíquias;
- Mantiveram-se as indulgências, a doutrina do purgatório; definiu o sacrifício da missa e a renovação do catecismo;
- Ao contrário dos anteriores, ficou estabelecida a supremacia papal.
- No que diz respeito à melhoria da conduta do clero, o Concílio foi muito positivo. Formulou-se uma legislação com o objetivo de eliminar os abusos. Os sacerdotes deveriam residir junto às paróquias, os bispos, na sede episcopal, monges e freiras em seus mosteiros e conventos.
Enquanto os protestantes afirmavam que a Escritura Sagrada deveria ser a única regra a seguir como prática para os cristãos, o Concílio colocava a tradição e os dogmas papais no mesmo pé de igualdade com a Bíblia. Outra resolução do Concílio de Trento que acentua a diferença entre católicos e protestantes foi a inclusão de livros dêuteros canónicos no cânon bíblico.
Além da reorganização de muitas comunidades religiosas, novas ordens foram também fundadas, dentre as quais a Companhia de Jesus, ou Ordem dos Jesuítas, cujo fundador foi Inácio de Loyola.
Os sobrenomes
Este Concilio teve uma especial importância para a genealogia devido à resolução que determinava que toda a criança, para ser batizada na Igreja Católica deveria possuir um nome cristão e um sobrenome de familia. Desta forma, as famílias que ainda não o possuíam foram obrigadas a assumir um termo que os identificasse, o uso de sobrenomes familiares foi então implantado definitivamente.
A aplicação das decisões saídas deste Concílio é rápida em Itália, Espanha e Portugal, mas mais demoradas em França devido às guerras da Religião. Estas decisões prolongam-se no importante movimento da Contra-Reforma ou Reforma católica, que transforma a vida espiritual dos cristãos em obediência romana.
Um dos papas teria confessado que Deus permitiu a revolta protestante por causa dos pecados dos homens, “especialmente dos sacerdotes e prelados”. A cristandade a partir daí permaneceria definitivamente dividida entre católicos e protestantes, sem mencionar a divisão anterior, ocorrida em 1054 entre Igreja Cristã e Igreja Ortodoxa Grega.
Que não restem dúvidas, a Contra Reforma prosseguiu após este Concílio, tanto na liturgia, como nas ... fogueiras.
Fontes:
Astier et al., (2000), Memória do Mundo, Círculo de Leitores
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