Nos
meados do século XIX, a fome na Irlanda transforma-se num
cataclismo. Desde esse momento e durante muito tempo, a Irlanda torna-se num
país mártir. De imediato, os irlandeses começam a abandonar a terra.
Entre
dois recenseamentos, de 1841 a 1851, a Irlanda perde cerca de 25% da população.
Um cataclismo de tal dimensões é único na Europa moderna, e bastante inesperado
dado acontecer às portas de Inglaterra, um país aparentemente estável e rico. É sem sombra de dúvida que é a
partir de 1844 que a Europa passa por uma fome incrível, uma enorme crise alimentar. Contudo, parece que a Irlanda foi o único
país onde a terrível crise alimentar degenera num cataclismo, numa fome terrível durante, pelo menos, cinco longos anos.
Um
equilíbrio precário
A
amplitude do problema poder-se-á dever às próprias características da Irlanda
do começo do século XIX, particularmente frágil. Em 1840, momentos antes da
fome, a ilha está extraordinariamente povoada. A população terá duplicada em
cerca de 50 anos, sendo então considerado o país mais denso da Europa. Por
outro lado, quase todo o território está ocupado pela atividade agrícola, sendo
a pressão sobre a terra extremamente forte, e as rendas extremamente altas. O
sistema do conacre está bastante divulgado: trata-se do aluguer de um pequeno
pedaço de terra apenas pelo tempo de uma colheita. As consequências são
particularmente más: cada ano o camponês tem de inquietar-se e incomodar-se a
buscar uma nova forma e sítio para sustentar a sua família. A situação dos
trabalhadores agrícolas e dos trabalhadores sem terra é cada vez mais precária. Curiosamente,
é a batata que permite uma concentração de população tal numa superfície tão
fraca. Perfeitamente adaptada ao clima irlandês, graças à sua
elevadíssima produção, este tubérculo permite sustentar uma família de seis
pessoas durante um ano, num terreno de aproximadamente 7000m2. Era a verdadeira
base da alimentação dos Irlandeses.
A batata chegou à Irlanda por volta do ano 1590, tendo sido fácil o seu cultivo já que o clima húmido e temperado propiciava o seu crescimento; além disso, a batata podia ser plantada até mesmo em solo pobre. Servia de alimento para homens e animais.
Em meados do século XIX, aproximadamente um terço de toda a terra arável era utilizada no cultivo da batata. Quase dois terços da produção eram usados para o consumo humano. Um irlandês da classe média comia batata todos os dias e quase nada mais.
A
doença inesperada
O
tubérculo milagroso sofre uma dura queda na sua produção quando a doença
"da batata" tem lugar. A culpa parece dever-se a um fungo específico, Phytophthorans infestans, que se começa a desenvolver nas folhas da
planta e, durante a apanha, estende-se até ao próprio tubérculo. As batatas que
parecem sãs à primeira vista, simplesmente apodrecem em poucos dias. Para além
disto, o fungo parece ficar latente nos tubérculos e continuar a razia em anos
seguintes. À parte disto, a Irlanda junta nestes anos vários factores para a
proliferação da praga: pouco gelo, forte humidade, ausência de chuvas
violentas, que em outras ocasiões limpariam as folhas.
Batata infectada com Phytophthorans infestans
Uma desgraça política
À
parte da grande doença da batata, a situação política do país começa a
contribuir de forma evidente para o cataclismo do país. Desde o século XVI que
este país é governado pela Inglaterra. Parece não se tratar de uma união, mas
sim de um claro domínio, traduzido pela ocupação das terras férteis pelos
landlords inglese que, apesar de não residirem na Irlanda, retiram de lá todos
os lucros possíveis. No momento da grande fome, este distanciamento entre os
proprietários e camponeses, impedem que a solidariedade e caridade atuem de
forma adequada, numa época em que o estado ainda não é capaz de tomar nas suas
próprias mãos a assistência aos necessitados. Precisamente é também devido a
membros do Estado, concretamente devido ao afastamento de Londres com
responsabilidades diretas na Irlanda, que se deve a grande inadequação
das medidas tomadas.
Junção
de catástrofes
Em
Agosto de 1845, quando a colheita se anuncia excelente, surgem pela primeira
vez os sintomas da doença da batata. Em Outubro, na altura da colheita, não
restam dúvidas: o essencial da colheita está perdido. E com ela o principal
recurso alimentar do país. Só nos primeiros meses de 1846, as reservas
esgotam-se. Para os mais pobres, a situação é um desastre já que não tem
absolutamente acesso a nenhum alimento. Torna-se um pesadelo quando a própria
colheita de 1846 não pode sequer ser aproveitada. O mesmo acontecerá nos anos
seguintes.
Perante
a falta deste alimento, o povo é forçado a consumir as reservas de cereais,
destinadas à exportação. Não conseguem portanto obter dinheiro, não conseguindo
pagar a renda. Expulsos, vão engrossar as filas dos sem-abrigo.
Por outro lado, nos registos do inverno de 46-47 registam-no como glacial. Apesar de ser uma situação inusitada na Irlanda, a neve começa a cair desde Outubro. Só em Cork, em cada semana de Dezembro são registados cerca de 100 sem-abrigos.
A catástrofe segue com a subida do preço das sementes, devido às más colheitas em toda Europa, impedindo o governo inglês de importar massivamente a "sua" cota parte de colheitas de cereais, agravando a situação também em Inglaterra.
Os organismos absolutamente débeis pela fome, as doenças começam a formar parte do quotidiano da Europa. A disenteria mata milhares de crianças, o escorbuto aparece devido à falta de vitamina C, normalmente contida na batata.
Em 1847 é declarada uma epidemia de tifo. Em 1849, de cólera. No total, por cada individuo morto pela fome, morrem dois vitimados pelas doenças.
Um
governo desarmado?
Em
1845, em Novembro, pressionado pelas alarmadas noticias que chegam da Irlanda,
decide finalmente comprar cereais aos Estados Unidos. O problema é que se
recusa a renovar a compra depois de esgotadas as provisões na Primavera. Ora é
precisamente nesta altura que começa a verdadeira fome. Todas as tomadas de
decisão do governo Inglês parecem fora de tempo e de contexto. Será necessário
esperar pelos meados de 1847 para que surjam as primeiras sopas de distribuição
de sopa aos pobres.
Perante a amplitude do desastre, assim como, frente à incapacidade governamental, para muitos a única solução é partir. Um milhão de irlandeses emigra durante a grande fome. Outro milhão em 1850.
Em 1847, navios com destino ao Canadá eram designados por "tumbas”, ou navios-caixão. Dos cerca de 100 000 emigrantes, mais de 16 000 morreram no mar, ou momentos depois de desembarcar. Cartas enviadas a amigos e parentes na Irlanda relatavam as horríveis e desumanas condições das viagens, mas nem isso deteve grande uma considerável quantidade de pessoas de emigrarem.
Considerando o número de emigrantes, juntamente com o número de falecidos, a queda demográfica é muito significativa. De forma irónica, os registos da época parecem indicar que foi a diminuição populacional que ajudou a travar a grande catástrofe, já que a pressão agrária diminuiu drasticamente, diminuindo o fator de impacto da grande fome. Contudo, a doença da batata continuou por alguns anos mais.
O governo criou leis que cancelavam todas as dívidas contraídas em consequência da fome. A população começava a crescer de novo. Embora a praga afetasse algumas colheitas nos anos seguintes, tal não poderia ser comparado aos anos de horror que resultaram na perda de mais de um quarto da população da Irlanda devido à grande fome.
Fontes:
http://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/102002726#h=32
https://www.ego4u.com/en/read-on/countries/ireland/great-famine
http://www.historylearningsite.co.uk/ireland-1845-to-1922/the-great-famine-of-1845/
Circulo de Leitores, 2000, Memória do Mundo - das origens ao ano 2000.