Perdida na História

Perdida na História

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A coroação de Hugo Capeto

Em 987, o rei carolíngio  Luis V morre num acidente de caça: não deixa descendência. Os grandes da Frância Ocidental preferem um rei não Carolíngio, preferem Hugo Capeto, descendente dos Robertianos. O rei é coroado em Noyon a 1 de Junho e sagrado, sem dúvida, a 3 de Julho. Ao personagem falta brilho; o seu breve reinado não é marcado por qualquer feito ilustre. Porém, inicia uma dinastia de 36 soberanos que se sucedem durante 800 anos, segundo as leis do sangue.

"Coroem o duque. É ilustríssimo pelos seus feitos, sua nobreza, suas forças. O trono não é adquirido por direito hereditário; ninguém deveria ser elevado a ele sem se distinguir não apenas pela nobreza do nascimento, mas pela bondade da sua alma."

Arcebispo Adalbarão de Reims

    Quando o último Carolíngio morreu na Alemanha, em 911, os descendentes de Carlos Magno mantiveram-se, não sem ruptura, na Frância Ocidental, até à tomada do poder por Hugo Capeto. 
    Enfraquecido pelas incursões normandas, o seu reino sofre sobretudo de debilidade interna: ao longo dos tempos, os grandes do reino tinham vindo a construir principados autónomos que dominam perfeitamente, no século X, antes de assistirem ao seu esboroamento no século XI, em proveito dos pequenos alcaides. Os últimos carolíngios são reis sem poder: a única base sólida de que dispõem está circunscrita aos vales do Oise e do Aisne.

A irresistível ascensão dos Robertianos

    A linhagem dos Robertianos, à qual Hugo Capeto pertencia, tem origem em Roberto, o Forte, aristocrata da região renana que fora para oeste e a quem Carlos, o Calvo, confia em 852 os condados de Anjou e da Touraine.  De certa forma, considera-se ter sido nomeado para a defesa do Vale do Loire contra os Normandos.




Quem era Hugo Capeto?
     Hugo Capeto era sobrinho-neto e neto, respectivamente, dos carolíngios Odo de Paris e Roberto I, os dois únicos reis dos francos eleitos. O seu sétimo avô por parte de sua avó Beatriz de Vermandois era Carlos Magno. Hugo pertencia então a uma família poderosa e com muitas ligações à nobreza reinante da Europa.
    Quando seu pai, Hugo, o Grande, morreu em 16 de Junho de 956, Hugo Capeto, o mais velho de  três filhos varões, era ainda menor. Foi colocado, juntamente com os seus dois irmãos, sob a tutela do seu tio materno, Bruno, duque de Lorena e arcebispo de Colónia.
    Herdeiro do seu pai, e por isso um dos mais poderosos nobres do reino, tornou-se conde d'Orleães e abade laico das abadias de São Martinho de Tours, Saint-Germain-des-Prés e Saint-Denis. Em 960, o rei Lotário de França concedeu-lhe os títulos que o seu pai detivera: duque dos francos e marquês de Nêustria. Era o nobre mais rico de seu tempo.


Coroação de Capeto

A rivalidade entre dois primos

    Hugo Capeto sucede ao seu pai, em 956: tem 16 anos; o novo rei Lotário, tem 13 anos e é seu primo. Os jovens são colocados sob a tutela dos seus tios germânicos: o rei Otão I e o arcebispo de Colónia, Bruno.
    O facto de serem menores e a ausência de um carácter forte em Hugo Capeto favorecem a decomposição do principado robertiano: antigos vassalos de Hugo, o Grande, o conde de Anjou, o conde de Blois-Chartres, também senhor de Tours, afirmam a sua independência antes de se revelarem os maiores e mais perigosos rivais dos primeiros Capetos.
    Entre Hugo e Lotário multiplicam-se os choques sem vantagem para nenhum: a situação aproveita aos grandes e aos Otonianos da Germânia.

    Mas em 978 Lotário toma uma iniciativa: tenta conquistar esta zona contestada, nascida do Tratado de Verdun, a antiga Lotaríngia, que Otão II então controla. A tentativa provoca a reacção do alemão, que vem acampar para a frente de Paris, cujas muralhas Hugo Capeto defende: Lotário, o penúltimo carolíngio deverá agora contar com a hostilidade do germânico. Quando morre, dois anos depois, a situação não evoluíra. Deixa um filho com 19 anos, que lhe sucede facilmente: trata-se de Luis V que, acidentalmente, morre um ano depois.

Luis V


Hugo Capeto, o reizinho

    Esta estranha morte é a oportunidade de Hugo Capeto: o arcebispo de Reims  e o partido Otoniano estimulam-no, os grandes do reino proclamam-no, visto a sua fraqueza ser a força deles.


Hugo Capeto


    De 978 a 986, Capeto aliou-se aos imperadores germânicos Oto II e Oto III e com o arcebispo Adalbarão de Reims para dominar o fraco rei Lotário. Já em 986, era na prática rei, apesar de não oficialmente.
    O reino em que Hugo viveu era bastante diferente da França actual. Os seus antecessores não eram reis de França, esse título só começaria a ser usado por Filipe, o Belo (1285-1314). O reis usavam o título de rex Francorum (Rei dos Francos) e as terras que governavam eram apenas uma pequena parte do antigo Império Carolíngio.






    O rei é somente senhor de Orleães e de Senlis, embora alguns bispos do Norte lhe tenham permitido estender o seu poder, indirectamente.

    Hugo captura um pretendente carolíngio, Carlos da Baixa Lorena, irmão de Lotário, que lhe é entregue pelo bispo de Laon. Mas o poder real em breve desaparece num conflito com o novo arcebispo de Reims, a quem são atribuídas as culpas de ter protegido o cativo. Contra o conde de Blois, Hugo inaugura uma política que os seus sucessores sistematizarão: exploração territorial e jogos de equilíbrio entre principados rivais. Homem de virtudes administrativas, Hugo Capeto não granjeou o poder por simples simpatias, mas sim por astúcia e  suborno.

Hugo Capeto


    Durante um século e meio, o poder real sobrevive. Mas os reis sucedem-se, de pai para filho: com o tempo, a continuidade familiar faz esquecer a origem do poder: uma usurpação.

O complexo de usurpação

    Durante dois séculos, a dinastia dos Capetos preocupa-se em assegurar o poder: o pai faz coroar o filho ainda em vida e associa-o ao reino; a propaganda real embeleza os acontecimentos de 987, imaginando uma associação ou parentesco com os Carolíngios.
    Estas práticas cessam a partir de Filipe Augusto (rei de 1180 a 1223), descendente, por sua mãe, dos Carolíngios e que pode, finalmente, reclamar legitimidade.

Eliminar mulheres.

    No século XIV, o contexto político obriga a formular a doutrina oficial de sucessão ao trono. Impõe-se, então, a regra de afastar as mulheres do trono, assim como da transmissão do trono. A pretensa "lei sálica" (remontaria aos Francos Sálicos), que acaba por se converter numa lei fundamental do reino, é formulada no tempo de Carlos V (rei de 1364 a 1380).

     Mas muitas crises anteriores impõe o seu princípio. A primeira estala em 1316, na morte de Luis X. Nasce-lhe um filho póstumo, João, que morre em cinco dias. Fica uma filha menor, Joana, rapidamente afastada pelo tio paterno, mas tarde Filipe V.

     Curiosamente, o precedente vira-se contra as filhas de Filipe V, a favor de de Carlos IV, irmão de Luis X. Este como deixa apenas uma filha, leva a uma grande encruzilhada: não resta ninguém, nenhum descendente directo de Hugo Capeto. Graças ao apoio dos barões, um Valois (descendente por via masculina de filhos segundos dos Capetos), impõe-se sob o nome de Filipe VI (1328-1350). O rei de Inglaterra, Eduardo III, é rejeitado visto o seu antecessor capetiano ser faminino. É um pretexto para a Guerra dos Cem Anos.         

Capeto?

    Existem várias hipóteses para explicar  Capeto, que serviu para distinguir Hugo do pai. A etimologia popular segue a explicação de ser o rei da capa (chappet), uma vez que antes de ser rei já era abade, e os abades da época usavam uma capa característica (em português: capelo, que por motivos semelhantes foi o cognome do rei Sancho II de Portugal).

    Outras etimologias derivam dos termos para chefe (caput), zombador (capetus) ou cabeça grande (capillo). Pensa-se também que o cognome do seu pai foi atribuído após a sua morte, a partir do latim Hugo Magnus, Hugo o Velho, sendo o seu filho Hugo, o Novo, e podendo Capeto ser uma invenção do século XII.

Hugo Capeto e o Futuro

    Os capetianos directos, ou a Casa de Capeto, governaram a França desde 987 a 1328. Depois, o reino foi regido por ramos colaterais da dinastia.
    De facto, todos os reis franceses até Luís Filipe, assim como os pretendentes ao trono desde então, foram membros dessa família (excepto a Casa de Bonaparte, imperadores e não reis).



    De salientar que D. Pedro I e D. Pedro II, ambos Imperadores do Brasil, eram descendentes em linha masculina directa de Hugo Capeto, fazendo parte também da dinastia capetiana.

    Actualmente, esta dinastia ainda faz parte da árvore genealógica do reino da Espanha e do ducado do Luxemburgo, sendo a mais antiga dinastia no poder monárquico da Europa, e a segunda mais antiga do mundo, depois da família imperial do Japão, com a linhagem documentada, pelo menos, até ao ano 706.

Fonte:
Astier et al, (2000), Memória do Mundo, Cículo de Leitores

Sem comentários:

Enviar um comentário